22 de fevereiro de 2013

A religião e o casamento homossexual


A religião tem todo o direito de elencar como pecado as práticas que bem entender: Roubo, homicídio, aborto, adultério, comer carne de porco, trabalhar aos sábados, beber café, se deitar com pessoas do mesmo sexo, etc. A religião tem todo o direito de se posicionar contra essas práticas e pregar - a quem quiser escutar - a abstenção delas.

Existem práticas que são ao mesmo tempo pecado (transgressão religiosa) e crime (transgressão legal). Roubar, por exemplo, viola tanto a religião como a lei. Portanto, essa prática é condenável mesmo que quem a cometeu não seja religioso, contudo, não é preciso recorrer à religião para compreender o prejuízo decorrente dessa conduta.

Outras práticas são transgressões apenas aos olhos da religião, como é o caso de beber café (para os mórmons) ou se deitar com pessoas do mesmo sexo em relações homossexuais, e faz todo o sentido a religião orientar os seus fiéis de acordo com o seu conjunto de crenças e exigir que, para ser aceito como igual no grupo, o indivíduo se comporte de acordo com o ordenamento religioso aceito pelo grupo.

Os conflitos ocorrem quando há uma sobreposição de interesses tentando ocupar o mesmo espaço. Seja quando a religião tenta aplicar suas regras a pessoas não religiosas e também - no sentido contrário - quando as pessoas tentam fazer que a religião ignore seus ordenamentos.

A religião ultrapassa seu direito quando tenta impedir as pessoas - inclusive não religiosas - de contraírem o casamento civil homossexual. Por outro lado, as pessoas ultrapassam seu direito quando tentam impor à religião que valide o casamento homossexual e realize cerimônias de casamento que vão contra suas regras.

As raízes desse conflito não são exclusivas da religião, e se estendem a qualquer situação onde existam ideologias que se opõem. O fato é que há uma tendência, quase sempre irresistível, de querermos impor ao próximo a nossa forma de pensar, as nossas regras e a nossa verdade (e quanto mais poder temos, mais contundente se torna a imposição e mais intrasigentes somos com as posições opostas).

O fato é que a nossa sociedade não é uma sociedade cristã. Somos compostos por cristãos, muçulmanos, espíritas, budistas e também pelos que não crêem, entre outros. Então, nossa conduta social deve - o máximo quanto possível - ser pautada por princípios compartilhados universalmente, independentemente de filosofias privadas. A Igualdade e a Liberdade podem ser elencadas como dois dos princípios mais importantes de uma sociedade que busca a justiça social.

Dessa forma, é necessário estabelecer os limites nos quais essa tentativa de convencimento pode e deve atuar. Cabe ao Estado Regulador (cujo ordenamento se impõe a todos, religiosos ou não) criar leis baseadas nos ideais de Liberdade e Igualdade e, subsidiariamente, na vontade da maioria.




Atualmente, há um movimento - ao que tudo indica, irreversível - no sentido de se estender aos homossexuais os mesmos direitos civis concedidos a todos. Há também uma preocupação de proteger essa classe das discriminações e violências sofridas, comuns a diversas minorias (diversos dados apontam mulheres, negros e homossexuais como as maiores vítimas de discriminação e violência).

Nesse ponto, os conflitos de interesse se tornarão mais acirrados, pois estamos diante de uma perspectiva de alteração do status quo. Foi assim no fim da escravidão, foi assim na revolução sexual e é assim agora, na perseguição dos direitos dos homossexuais.

Para se alcançar justiça, na medida do possível, o que se deve buscar é um ponto de equilíbrio, as fronteiras dentro das quais os direitos de igualdade e a liberdade religiosa possam trafegar, sem entrarem em atrito.

Tratando-se do direito ao casamento homossexual, a questão deve ser analisada em toda a sua abrangência, e não somente sob a ótica religiosa ou dos homossexuais, afinal a sociedade ultrapassa esses dois grupos.

Com isso em pauta, o argumento do pecado torna-se insuficiente, pois o conceito de pecado não é de aceitação universal, e somente faz sentido no contexto religioso. Tanto é assim, que o próprio rol de pecados varia de acordo com a fé de cada um e os mandamentos de cada religião - enquanto um não pode cortar os cabelos, o outro não pode ingerir álcool, enquanto um não pode trabalhar nos sábados, o outro não pode se casar - e a lista de estende longamente. É exatamente por isso que se busca o Estado laico, separado da religião, para que suas Leis sejam baseadas em valores universais e não em ideologias privadas de uma religião.

Então, deve-se avaliar se o casamento homossexual ofende aos valores atuais de nossa sociedade, sendo os principais deles a liberdade e a igualdade. É possível que o casamento homossexual afete a liberdade alheia? Não vejo como. Agride a igualdade ou qualquer outro valor universal? Não enxergo possibilidade. O que ocorre é justamente o contrário, a proibição do casamento homossexual caracteriza flagrante limitação à liberdade de uma parcela da sociedade, resultando em desigualdade.

Indo além, e perseguindo o equilíbrio, não é justo - por outro lado - exigir que as religiões deixem de considerar pecado e forçá-las, por exemplo, a celebrarem casamentos homossexuais ou ordenarem ministros religiosos homossexuais, ou mesmo que deixem de pregar que é pecado.




Pouco importam as causas da homossexualidade: Genética, influência do meio, sorte ou azar. Pouco importa se cada um é o que é por escolha ou por força do destino. Quando se trata de Direito, liberdade e igualdade, o que importa é como que as condutas privadas afetam a coletividade.
Tratando-se de direitos civis, a pergunta que devemos fazer não é “isso é contra a minha fé?” e sim “isso agride os princípios de igualdade e liberdade?”