28 de novembro de 2009

Gamer (2009)

Acabei de assistir o filme Gamer, com Gerard Butler, e estou pensando qual seria a melhor forma de descrevê-lo. Acho que “Perda de tempo” sintetiza satisfatoriamente a minha opinião.

O história é sobre um futuro próximo no qual as pessoas se divertem em jogos online no melhor estilo Second Life (que descanse em paz) com suas raves e personagens de aparência exdrúxula – os chamados avatares, ou  em simulações de combate armado como o Counter-Strike. Porém, com uma singela diferença: Os personagens dos jogos são pessoas de verdade controladas por outras pessoas. Em vez de realidade virtual, realidade real.

Run madafaca

Só um argumento idiota como esse já seria suficiente para que qualquer filme seja uma porcaria, mas o roteiro conseguiu o que parecia improvável – Piorar ainda mais a história e transformar o filme em uma bela porcaria. Por exemplo, os combatentes de Slayers (Esse é o nome do jogo de combate armado) que morrem às dezenas ao longo das fases do jogo são criminosos condenados à morte, recrutados para participarem em troca da promessa de liberdade caso consigam sobreviver. Extremamente original, não?

Essa justificativa foi utilizada muito antes, e de forma muito melhor, no excelente Running Man estrelado por Suasnêga. Inclusive todo aquele lance do protagonista ser inocente e a confissão do cara malvado ser transmitida ao vivo para todo mundo ver, foi copiado do mesmo jeito serviu de inspiração para Gamer.

Para não dizer que tudo no filme é uma merda completa, a música Sweet Dreams do Eurythmics é executada de forma maestral, principalmente com a identificação de sua letra com a trama. Também é sempre válida, embora batida e clichezenta, a crítica que se faz sobre o problema da imersão total no mundo virtual, que parece ser uma realidade cada vez mais próxima e impositiva. Por trás dos personagens magros, saudáveis e bonitos dos jogos, estavam o seus controladores, jogadores obesos mórbidos incapazes de se locomover sem o auxílio de uma cadeira de rodas (tirando o moleque que controlava o Kable, personagem do Butler, esse era um moleque magrinho e de olhos azuis).

Personagens reais dos jogos online do filme

Também houve uma crítica à mídia atual e a forma como transforma a miséria humana em espetáculo, sendo que, como se não bastassem as mazelas que existem naturalmente, em nome do Show se criam situações de ainda mais sofrimento e miséria, ao passo que quanto mais contato temos com toda essa realidade violenta e fria, mais insensíveis e distantes ficamos e, consequentemente, menos humanos. Mas isso o filme não teve interesse em aproveitar.

No frigir dos ovos, é um filme que, embora razoavelmente produzido, não tem como ser mais do que aparece na tela: Tiros e sangue pra todos os lados com uma justificativa duvidosa.

Ah, antes de ir embora, cabe comentar a cena perto do final do filme em que o cara malvado começa a dançar e cantar I’ve got you under my skin, acompanhado de dançarinos assassinos zumbis controlados pelo poder da mente. O comentário é: Diabéisso?

25 de novembro de 2009

Escreveu, não leu…

Passados os dias de Geyse, o que agita a blogosfera essa semana é a desventura de Emílio Moreno, condenado pela justiça a pagar uma indenização de R$ 16 mil devido a um comentário injurioso veiculado em seu blog. O bafafá todo é porque ele foi condenado por algo que outra pessoa escreveu.

O barraco

O caso foi mais ou menos o seguinte: No começo de 2008, Emílio publicou em seu Blog uma notícia sobre uma briga entre alunos do Colégio Santa Cecília, em Fortaleza. Entre os comentários do Blog, houve um anônimo que escreveu algumas ofensas à Diretora do colégio, que também é freira. A diretora/freira processou o blogueiro exigindo indenização por danos morais. O blogueiro não compareceu à última audiência e não justificou sua ausência, e terminou condenado a pagar a indenização.

Hein?

O caso repercutiu nas internets e agora com a condenação tomou um fôlego extra. Eu tenho a ligeira impressão que há uma certa euforia e, por que não dizer, satisfação, quando casos de "absurdos" ou "injustiças" ocorrem e dão aos blogueiros combustível para dois ou três posts (cof,cof.. heim?). Contudo, um fato que vejo ocorrer com muita frequência é a falta de profundidade com que esses casos são abordados. Li uns vinte posts sobre o caso Emílio e em oitenta por cento deles as opiniões e argumentos eram exatamente os mesmos, contando apenas com leves variações de estilo. Obviamente a maioria se pronunciou indignada com a decisão da justiça e tratou de retratar o condenado como um pobre injustiçado vítima da censura.

Mas será que realmente o blogueiro é vítima nessa história? Não sei. E é isso que quero ressaltar, que não é tão simples como parece tomar partido em favor de um lado sem conhecer direito o que se passou. Não é responsável e nem inteligente formar uma opinião conhecendo-se apenas metade do bafafá. Parece mais que a intenção desses posts, antes de alertar para uma possível injustiça e gritar páuer tu depípou, é fazer baderna e jogar merda no ventilador. Isto posto, deixa agora eu falar o que penso dos fatos relatados - com base no que li em diversos blogs e sites de noticias.

Sobre o Blogueiro e seu Blog

O fato é que houve um comentário publicado no Blog, cujo conteúdo atingia a moral de um indivíduo e, ainda por cima, publicado de forma anônima. Portanto esse comentário é duplamente anti-jurídico e, mais que isso, duplamente imoral. Embora o Blogueiro tenha escolhido não moderar seus comentários e permitir postagens anônimas, ele é responsável pelo conteúdo publicado em seu blog, principalmente porque ele é Senhor daquele espaço e nenhum comentário permanece sem sua autorização e, por consequência, seu aval.

Não digo que devam permanecer publicados apenas os comentários que concordem ou favoreçam a perspectiva do Blogueiro, mas sim aqueles que, contrários ou favoráveis, emitam a opinião de forma civilizada e, preferencialmente, identificada. Ou seja, a partir do momento em que uma pessoa permite os comentários em seu Blog, torna-se co-responsável por qualquer prejuízo que deles possam resultar.

Tenho nada com isso, não...

Além disso, parece que o tal Emílio é estudante de Jornalismo (aquela profissão que não precisa mais de diploma) e, como tal, deveria saber pelo menos o básico sobre Responsabilidade, Anonimato, Difamação, Calúnia e principalmente Ações Judiciais por Danos Morais. De acordo com o que foi veiculado pela imprensa é possível que ele tenha mantido o comentário mesmo após ser contatado pela Freira, sob alegação de defender a liberdade de expressão.

"Ainda segundo o blogueiro, que cursa Jornalismo numa faculdade particular, os advogados da freira, entraram em contato com ele e pediu para que o comentarista fosse identificado. Emílio Moreno disse ter de imediato retirado o comentário do post do ar. O advogado Helder Nascimento contestou. Disse que o blogueiro manteve a opinião do leitor, alegando o direito à liberdade de expressão, e também se negou a identificar o autor do comentário."
Fonte: estadao.com.br

Para mim, tenha ele retirado o comentário logo após a reclamação ou só depois de ser intimado pela justiça, a diferença é pouca. Ele deveria ter retirado o comentário assim que o tivesse lido e constatado seu conteúdo ilegal. E se ele não tiver capacidade para discernir que tipo de comentário é opinião e que tipo é injúria, não deve nem mesmo ter um blog, ou então ter dinheiro para pagar condenações por danos morais.

Sobre a Freira

Se fosse comigo o ocorrido, e visse na situação uma chance de arrecadar uns caraminguás para amortizar a prestação do meu financiamento habitacional, faria o mesmo que a freira: Ação na Justiça com gosto de gás. Escreveu, não leu, é analfabeto. Algumas pessoas questionaram pertinentemente sobre onde estariam nessa hora os princípios cristãos da Freira, principalmente um chamado Perdão. Mas isso é bobagem, tenho certeza que Jesus vai ficar mais feliz com o dízimo sobre o valor da indenização.

22 de novembro de 2009

Distrito 9 (2009)

Mais um filme de alienígenas. Mais do mesmo, porém com um mix de temperos que deixam a receita, de certa maneira, interessante – apesar da decepção inevitável que a mudança drástica de rumo causa ao espectador. Distrito 9 é a história de uma nave espacial gigante que encalhou no nosso planeta e não conseguiu mais partir e ir embora. Após três meses de espera, as autoridades humanas resolvem entrar na nave e ver o que que tá pegando. Dentro da nave encontram cerca de um milhão de alienígenas moribundos devido à desnutrição e ao confinamento. Fantástico começo, instigante e envolvente.

Porém, o desenvolvimento do filme não acompanha o mote inicial e acaba enveredando por um caminho de muita ação, pouco conteúdo, irreverência gratuita e diversos clichês. O que poderia se tornar uma grande história infelizmente perde a força e o rumo e termina como um filme pouco acima do medíocre. É um filme de estilo político: Promete mas não cumpre.

O que vale a pena

Pelo menos o começo do filme é sensacional e merece ser visto. A atmosfera criada em torno do acontecimento – Alienígenas que parecem terem vindo pra ficar – nos faz pensar “Uau! Tem coisa boa vindo por aí”. Não por acaso a nave calha de encalhar =) justamente sobre a cidade de Joanesburgo, capital a maior cidade da África do Sul. E após terem sido retirados da nave, a [digite aqui o coletivo de alienígena] extraterrena é alojada em um acampamento no meio da cidade, que é imediatamente cercada por arame farpado e homens armados.

image

Está feito o paralelo. Os alienígenas são irremediavelmente vítimas de racismo e preconceito. É instaurado um novo Apartheid no país de Mandela, dessa vez uma segregação interplanetária. O formato de documentário da primeira parte do filme confere ainda mais impacto aos depoimentos dos sul-africanos, que se voltam contra os alienígenas; “Se ao menos eles fossem desse planeta, os trataríamos como iguais” diz um entrevistado.

O que derruba o filme

Infelizmente, após essa introdução que é dinamite pura, a esperada explosão não acontece. Algo dá muito errado no roteiro e na direção que transforma o filme em uma produção pasteurizada. Não é que esse novo rumo seja de todo ruim, mas a sensação de que algo se perdeu na história deixa um certo vazio para o espectador. Há uma queda muito grande de qualidade após a primeira parte, que não dá para nã ser notada e lamentada.

O Sr. tem 24 horas para abandonar o local. Pelo menos nessa segunda parte há uma certa similaridade com filmes como A Mosca, Alien, Robocop e Tropas Estelares, tanto na linguagem irreverente como na violência banalizada. Foram boas referências, pelo menos. Ponto para o filme. Porém, foram extremamente decepcionantes as soluções encontradas pelo roteiro para dar tensão e tentativa de humor ao filme, como a atitude idiota apresentar intimações aos alienígenas com ações de despejo (francamente…) e a circulação da notícia que o traidor humano que se juntou aos aliens teria sido flagrado tendo relações sexuais com um E.T. (aquela imagem deles atracados é ridícula).

No frigir dos ovos, Distrito nove é um filme razoável, cujo principal demérito é desperdiçar de forma tão leviana um argumento excelente e um começo impecável, porém, se formos capazes de relevar esse disparate, ele se torna um filme divertido de assistir, com bastante ação.

20 de novembro de 2009

Os três mendigos

Ainda na onda do filme Anticristo de Lars Von Trier, vale a pena viajar um pouco sobre o significado dos três mendigos: Sofrimento, Dor e Desespero que, quando reunidos, trazem a morte. Figura aqui mais uma antitese simbólica do cristianismo. Enquanto os três(?) Reis Magos da bíblia se reúnem para presenciar o nascimento do cristo, os três mendigos do filme se reúnem para presenciar a morte. Enquanto os reis da bíblia celebram o divino, os mendigos da natureza festejam o mundano e o natural.

Expulsos do Paraíso


Reza a lenda que Deus criou o universo, a terra, a natureza e o homem. Logo no primeiro capítulo do primeiro livro da bíblia, a criação é narrada em linguagem épica. E já nesse mesmo primeiro capítulo se vê claramente que a religião judaico-cristã (daqui em diante chamada apenas de Religião) coloca o homem acima da natureza, em uma posição de destaque.

Na narrativa religiosa o homem não faz parte da natureza, essa existe com a finalidade de servir aos propósitos do homem. O homem é especial, meio-divino, pois além de ter sido feito à imagem e semelhança do próprio Deus, recebeu de Sua boca o sopro da vida, o pneuma, que é o espírito divino.


Alocado no Jardim do Éden, o homem desfrutava de sua superioridade, tendo tudo a seu serviço. Não havia sofrimento, dor, angústia ou morte. Era a existência ideal. Os animais e toda a natureza lhe era submissa. Contudo, coube ao homem desobedecer a instrução divina e comer do fruto proibido e, por isso, ser expulso do paraíso. Como consequência da expulsão, a existência passou a ser acompanhada de sofrimento, dor, angústia e morte.

Dogmas


Assim, a Religião cria um de seus preceitos mais importantes e que serve de fundamento para toda a sua concepção Moral: O de que toda a dor, sofrimento e desespero que há no mundo não são simplesmente fatos naturais, mas sim consequência da influência maligna sobre o homem. Se o homem sofre, se o homem sente dor, se padece de doenças e angústia e se, por fim, o homem morre, não é porque essas são simplesmente as condições inexoráveis da existência, e sim porque o mal habita entre nós, por meio do pecado.

Em última instância, o homem é um pobre coitado, um bosta n’água incapaz de agir por sua própria razão ou vontade. Se faz o mal, é porque o diabo o tentou e o dominou, se faz o bem é porque foi inspirado por Deus. Lembra daqueles desenhos da Disney que o Pato Donald ficava em dúvida sobre o que fazer e na mesma hora apareciam um anjinho e um diabinho cochichando em seus ouvidos? É isso que a Religião prega.


Veja como o círculo se fecha: Para a Religião o homem não é integrante da natureza, é um ser superior cuja existência é dotada de um significado divino. O homem é o tal, imagem e semelhança de Deus feito para viver eternamente e, assim sendo, não deveria estar sujeito a nada que cause sofrimento à existência, muito menos deveria estar sujeito ao fim da existência.

Os três mendigos


Não há indícios históricos ou geográficos de que tenha havido em algum momento o Jardim do Éden, e tudo o que leva os religiosos a acreditarem nas descrições bíblicas de uma existência livre de sofrimento é a fé. Ao contrário, a memória de todos os povos que já passaram pela terra relatam a existência do sofrimento como uma realidade pungente.


O fato é que somos invariavelmente submetidos às consequências de uma existência frágil e passageira, e essas consequências englobam a dor, o sofrimento, o desespero e finalmente a morte. Enquanto a Religião exclama “O maligno reina no mundo!” e, dessa forma, afirma que o sofrimento e a morte são consequências do pecado – criando consequentemente uma aversão moral a esses fatos - a razão diz “O caos reina no mundo!” e afirma que o sofrimento e a morte são consequências naturais da vida.

17 de novembro de 2009

Anticristo (2009)

Quem é Cristo?
Segundo o cristianismo, religião mais influente do mundo ocidental, Cristo é o Enviado, é o homem que vem ao mundo para trazer salvação: paz e felicidade - trazer vida. O Cristo foi nascido de uma virgem em uma concepção imaculada e na sua chegada foi recebido por três(?) Reis que trouxeram ouro, incenso e mirra.

Quem é Anticristo?
Anticristo é a antítese do Cristo, é tudo aquilo que nega a ideia da Cristo. E é exatamente esse o ponto do filme, apesar de não ser nada fácil enxergar esse ponto. O maior mérito do filme, entre vários, é oferecer uma interpretação de anticristo completamente nova para o cinema, totalmente divergente e infinitamente superior – na minha opinião – dos anticristos convencionais que são, em suma, meninos concebidos de uma relação sexual com o canhoto*.

  • *Canhoto, demo, cramulhão, belzebu, satã, encardido e tinhoso são alguns dos vários nomes que o diabo tem. Clique aqui para uma lista completa.

Prólogo

Se fosse para comentar apenas um ponto do filme, esse ponto seria sem duvida nenhuma o prólogo. Para expressar melhor o meu sentimento em relação à essa parte, não seria exagero usar os seguintes termos: “Puta que o pariu! O prólogo desse filme é a sequência cinematográfica mais foda e impactante que já vi em toda a minha vida. Simplesmente arrebatador. Assombrosamente belo.” Algo assim.

Toda a sequência é filmada em câmera super lenta, em um preto & Branco de alto contraste com um fundo musical que parece ter vindo de um sonho. É impossível não reagir diante das cenas exibidas. Logo nessa parte inicial somos completamente dominados pelo filme, tomados por uma perplexidade e curiosidade que se sustenta durante o desenrolar da exibição e nos mantém sobressaltados o tempo todo. A plasticidade alcançada fortalece demasiadamente a trama da história que vemos na tela.

Sexo Explícito & Simbologia

A carga sexual do filme é forte, e as cenas de sexo são exibidas de uma forma que choca o espectador comum, é sexo explícito na tela. O uso do sexo explícito certamente teve a sua razão de ser e não foi de forma alguma utilizado gratuitamente. Geralmente o cinema retrata as cenas sexuais de forma implícita, à meia luz e com um saxofone tocando um jazz, e assim o sexo é retratado como um meio, por exemplo, a celebração do amor. Infelizmente, parece que somente assim o sexo é aceito, quando revestido de algo que ultrapasse o ato e o diminua.

Quando vemos em Anticristo o ato sexual explicito, o sexo se torna uma finalidade em si mesmo. Nada de amor, nada de significados que trascendem o ato, o que temos ali é mera conjunção carnal, o sexo em sua concepção fisiológica, puramente .

Mostrado assim, o sexo se afasta de qualquer valor moral. Não é bonito ou feio, bom ou ruim, puro ou impuro. É apenas um ato natural. Todos os valores residem exclusivamente dentro de nós.

Anticristo é carregado de símbolos. Não é um filme literal. Os símbolos começam nos dois personagens, que não possuem nome. Apenas um homem e uma mulher. Como não têm nomes, eles representam muito mais que a individualidade de seus personagens, eles representam a humanidade em seus gêneros masculino e feminino. Mais uma vez a câmera super lenta é utilizada para reforçar o caráter simbólico das cenas que, embora haja movimento, mais parecem ser pinturas estáticas. O local onde se a maior parte da história, uma floresta chamada Éden - Que remete invariavelmente ao paraíso de onde a humanidade, simbolizados por Adão e Eva, foram expulsos.

A natureza, tal qual o sexo, é retratada de forma crua e, novamente, qualquer moralização das cenas com animais - Um cervo fêmea que pariu pela metade um filhote natimorto que não saiu completamente e fica pendurado em sua genitália, Um filhote de águia que cai do ninho coberto de formigas que o devoram e em seguida é capturado pela própria mãe, que arranca sua cabeça com o bico, e uma raposa que parece estar devorando sua placenta com o feto dentro - partem exclusivamente do espectador. Essas cenas simbolizam a realidade da natureza, natureza essa que não se divide em homens e animais. Tal qual a moral, essa separação existe apenas em nós.

Anticristo

Afinal, onde está a figura do anticristo? Provavelmente essa deve ser a pergunta mais frequente em relação ao filme. Não é nada fácil encontrarmos se nos mantivermos presos à idéia tradicional de anticristo, como a que citei anteriormente. A inovação, a genialidade e a superioridade dessa obra está justamente em apresentar uma idéia de anticristo completamente nova, muito mais real e próxima de nós.

O anticristo é apresentado, ou melhor, representado por símbolos que se opõem à simbologia cristã. Enquanto temos de um lado o nascimento sem sexo, do outro temos a morte durante o sexo. Enquanto o Cristo é um homem, o anticristo é a Mulher - o gênero feminino. Enquanto Cristo é recebido por três Reis e recebe ouro, incenso e mirra, o anticristo é recebido por três mendigos que trazem sofrimento, dor e desespero. Enquanto Cristo é divino, o anticristo é natural.

A natureza é a igreja de satã, diz a mulher em determinado momento. Aí está todo o segredo e a chave para desvendar a história (pela interpretação que me proponho a fazer, que não tem a pretensão de ser a única). O que se opõe ao divino não é o infernal, mas sim o natural - ou terreno. É a natureza, a nossa própria natureza que se opõe aos valores cristãos. Não precisamos que o diabo se oponha ao divino, nós mesmos fazemos isso naturalmente.

E por que o anticristo é representado pelo gênero feminino? Pode ser porque a mulher sempre foi o alvo e o objeto de toda a nossa natureza. Toda a nossa humanidade, toda a nossa essência se torna completa no corpo de uma mulher. A mulher representa o que há de mais natural, com seus ciclos menstruais, com suas variações de humor, com seus períodos de cio, com sua gestação e com sua capacidade de gerar vida. O homem se vê impotente diante de tanta intensidade que é impossível de ser controlada.

"Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura.."
I Coríntios 2.14

No frigir dos ovos, Anticristo é uma crítica - uma desconstrução do cristianismo que se apresenta como a convicção de que tudo que é natural e humano é essencialmente diabólico e maligno. Enquanto o Cristo nega e rejeita o que é humano e natural, o anticristo abraça e aceita a condição humana, pois essa é a nossa essência.

13 de novembro de 2009

Queremos Saber

Nesses últimos dias tenho escutado muito a Cássia Eller, mais especificamente o álbum Acústico MTV, e mais especificamente ainda a faixa nove.
A música se chama Queremos Saber, e é uma composição assombrosa de Gilberto Gil. Quando comecei a escutar o disco, essa música passou um pouco despercebida, a interpretação comedida e despretensiosa não chama muito a atenção. Mas quando parei pra escutar direito fiquei impressionado com a profundidade da letra. É filosofia pura sob forma de versos e acordes. Uma pérola.


Ao som suave de um violão e uma orquestração quase imperceptível o protagonista da música, o homem comum, faz diversos questionamentos acerca dos avanços tecnológicos e de que forma eles melhoram a situação da humanidade, ou melhor, questiona se, de fato, eles melhoram a nossa condição. Nos últimos anos foram tantas as mudanças de ordem prática, tantas invenções, tecnologias e avanços científicos que nos vemos em um admirável mundo novo. Mas, por outro lado, continuamos com os mesmos medos, preconceitos, limitações e mazelas que nos oprimem há milênios.

Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões

Emancipação do homem. A que o homem ainda está preso e precisa se libertar? O que será tão forte que nem mesmo todo o avanço científico é capaz de nos conceder alforria? Certamente não se trata de um atraso no conhecimento do mundo exterior e dos fenômenos físicos. O que ainda nos mantém aprisionados é a ignorância de nós mesmos. É a força maligna que, antes de tudo, nos impede de fazer questionamentos. É o medo de descobrir que nossas convicções estão erradas. Medo. E contra essa prisão toda a tecnologia do mundo é impotente.
Queremos saber,
Quando vamos ter
Raio laser mais barato
Queremos, de fato, um relato
Retrato mais sério do mistério da luz
Luz do disco voador
Pra iluminação do homem
Tão carente, sofredor
Tão perdido na distância
Da morada do senhor

Humanidade em trevas. Nesse trecho o homem questiona, esperançoso, se a luz do raio laser ou do disco voador é capaz de iluminar nossa existência, nossa consciência. Além de presos, estamos no escuro. Melhor, estamos presos pela escuridão da ignorância. Será que é a luz do raio laser ou a luz dos monitores de computador conseguirão iluminar nossa consciência? Que luz é essa, capaz de nos tornar seres iluminados por dentro? Novamente, é o conhecimento de nós mesmos. Cada um precisa buscar essa luz que somente se alcança por meio do pensamento filosófico, do pensamento crítico, do questionamento ao inquestionável. Essa é uma jornada solitária.
Queremos saber,
Queremos viver
Confiantes no futuro
Por isso se faz necessário prever
Qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem
Tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam
O que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber

A ilusão do poder. Onde vamos com toda essa tecnologia? Todo esse conhecimento - do mundo exterior, repito - nos deu poder sobre o mundo. Mais corretamente, nos deu a ilusão de poder, pois enquanto não formos senhores de nós mesmos não teremos poder nenhum. Enquanto estivermos nas trevas seremos servos da ignorância e do medo.


Gilberto Gil e Cássia Eller
Simplesmente genial a música. Simplesmente genial a interpretação. Que sensibilidade do Gilberto Gil para, em 1976, fazer essa composição que a cada ano e a cada nova invenção se torna mais atual. Quando à interpretação, nem é justo usar esse termo pois Cássia Eller não interpreta a música, ela vive a música.

11 de novembro de 2009

Mais um pouco de Geyse

Virou uma minissérie esse caso da Geyse da Uniban.

Quando tudo estava caminhando para o esquecimento, a Faculdade faz uma declaração pública desastrosa que exalta os ânimos de todos e serve de combustível para blogueiros e panfleteiros. No outro dia volta atrás e gera mais uma marola. E assim o caso se desdobra em posts em série - inclusive aqui.

Algo que chamou a atenção nesse episódio foi a forma como relataram o ocorrido e a pretensa gravidade que que a atitude daqueles viadinhos dos alunos alcançou. Talebã, Apedrejamento, Estupro e Crucificação foram palavras recorrentes nos textos que brotaram por aí, o que demonstra como um fato, apenas por ter repercussão, tende a ser majorado. É aquela história de que quem conta um conto aumenta um ponto. É essa a característica do Texto de Opinião: Ultrapassa os fatos e ganha uma forte carga moral.


Eu acho que Estupro é uma palavra forte, mesmo sob a qualidade de "Estupro Moral", e não acho que seja o caso de sua utilização. Não quero, de forma alguma, atenuar a gravidade do ocorrido e, por outro lado, não quero permitir que o ocorrido seja equiparado, em gravidade, a um estupro de verdade. Por mais reprovável que tenha sido a atuação coletiva em defesa do ambiente escolar, felizmente a mesma não ultrapassou os limites das injúrias, o que é bem diferente e menos grave, quase sempre, que uma violação corporal.

Após tomar conhecimento do Caso Uniban, ver os vídeos no Youtube e ler diversos textos, estive perambulado pelas internetes atrás de noticias e estudos sobre misoginia e manifestações coletivas de agressão à mulher, e encontrei algo deprimente: O caso da menina iraquiana de 17 anos que foi espancada e apedrejada até a morte por namorar com um garoto de um grupo religioso rival. A cena, que durou aproximadamente vinte minutos, foi toda gravada por populares com seus celulares.


Aí sim chegamos ao limite da barbárie e da bestialidade do ódio contra a mulher. Por mais que palavras agridam a moral e a honra, chutes e pedradas agridem muito mais. O que quero dizer com isso, são duas coisas:

Primeiro, que foi bastante útil o ocorrido para alertar sobre duas importantes lacunas sociais: O ódio e preconceito contra a mulher, que avança século XXI adentro e não é restrito às camadas marginalizadas, e a farsa que é o ensino superior privado no Brasil (vide o blog do Nassif).

Segundo, que com a repercussão o caso foi elevado à uma importância maior do que realmente tem. Estupro, Apedrejamento e Crucificação foram palavras comuns nos textos que opinaram sobre o ocorrido. Foi utilizado um sensacionalismo considerável em relação à gravidade do fato. Foi Grave? Claro que foi. Mas não foi tão grave quanto estupros, apedrejamentos e crucificações reais.

8 de novembro de 2009

Uniban, Geyse, Misoginia e Hipocrisia

Vamos fazer umas suposições. Suponhamos que Geyse seja uma moça, como dizem os baianos, arretada ou, como diriam os paulistas da Uniban, puta. Talvez ela faça o tipo mulher-vulgar-quase-fatal. Talvez ela goste de usar roupas provocantes e, mais que isso, talvez ela não finja ser surda quando algum rapazote cheio de si faz um comentário maldoso quando ela passa, cuja finalidade é apenas se afirmar perante os outros rapazotes que formam seu grupinho de galinhos garnisés.

Imagine que situação humilhante para esses pobres garotos com capacidade mental ainda incompleta, em plena formação de sua identidade e extremamente dependentes da aprovação de seus colegas, quando tentam realizar o importante ato social de bancarem os fodões pra cima de uma menina, e em vez dela colaborar e cumprir o seu papel de ficar ruborizada e, calada, apressar o passo, resolve se insurgir contra o que está posto e mostra para o macho que ele não é assim tão macho.

Alunos defendendo o ambiente escolar Não pode haver outro resultado além do ódio contra o gênero feminino. Ódio resultante não de uma agressão injustificada ou de uma dominação pela força, mas ódio por ter sido ela o agente que me mostrou que as bolas nos meios das minhas pernas só servem pra encolher quando tomo banho frio. E assim as Geyses, com suas atitudes e seus vestidos  cor de groselha-com-leite, alimentam a misoginia latente nos homens de miolos e testículos minguados.

Estes mesmos homens que a chamam de puta protegidos pela multidão, em meados de fevereiro se travestem daquilo que têm mais medo: De mulher. E saem pelas ruas maquiados e de mini-saias ironizando aquilo que os apavoram. Estes mesmos homens que a chamam de puta porque está todo mundo chamando também, em suas camas solitárias à noite se masturbam por ela cheios de culpa e choram molhando os lençóis.

É como diz o Leoni: Garotos como eu sempre tão espertos, perto de uma mulher são só garotos.

Sobre o ensino superior privado no Brasil

O fato é que as Faculdades particulares brasileiras são meros comércios de diplomas. Não há nenhum interesse em ensinar e muito menos em aprender. O nível cultural dos diplomados é deprimente, há (muitíssimos) casos de alunos se formarem sem ler um único livro sequer. Quanto mais, desenvolverem senso crítico ou a capacidade de questionar.

Colação de Grau

Mas é assim que as coisas funcionam no Brasil, a terra do fingimento. Aqui todos fingem. Os professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem, só não se pode fingir o pagamento das mensalidades, ou são pagas de verdade ou a brincadeira acaba.

Ainda falta ao brasileiro médio a capacidade de pensar. Falta abandonar a inércia destruidora da preguiça mental, e colocar os neurônios para trabalhar. Aqui por essas bandas pensar é feio e discordar é ser rebelde. Quem pensa ou age diferentemente da manada é imediatamente marginalizado, sem que haja sequer apreciação de seus atos ou pensamentos.

7 de novembro de 2009

Aquarius: A água artificial da Coca-cola

Estou tentando me livrar dos refrigerantes e seus adoçantes, corantes, conservantes e acidulantes que só podem fazer mal. É como beber a tabela periódica inteira. Para substituir, escolhí a velha e boa Água que, até então eu só conhecia em três versões: Mineral, Potável de Mesa e Torneiral ou “água da bica”.

Eis que hoje fui apresentado à uma nova categoria, a água articifial Aquarius da Coca-cola. Não estou falando da famigerada Aquarius Fresh, e sim da água Aquarius, que me foi vendida como água mineral. Assim que tomei o primeiro gole sentí um gosto de “essa-merda-não-é-água-mineral-nem-no-infermo” que me deixou até com raiva. Peguei a embalagem pra ler do que se tratava e lá estava “Água adicionada de sais minerais”. Ah tá, sei.

Sabor terra

Vai tomar no cu! Quando eu bebia refrigerante eu sabia que era uma mistura venenosa cuja fórmula foi elaborada por Satanás, mas vender água artificial é ultrapassar todos os limites da decência.

Pra quem não sabe, Água Mineral é a água que possui em sua composição original (na fonte) os chamados sais minerais, que a diferem da água potável comum. Existe até uma Lei que regulamenta isso tudo. Inclusive, nas Águas Minerais de verdade vem escrito na embalagem até mesmo nome da Fonte de origem.

Aí chega a Coca-cola, abre a torneira da pia da cozinha, despeja sal e sulfato de magnésio naquela água que nem potável deve ser, em sua origem, e vende como se Água Mineral fosse. Já mandei eles tomarem no cu?

Para efeito de comparação, veja a diferença da composição entre a Água Mineral Minalba e a Aquarius: (Escolhi a Minalba apenas porque é a que tem aqui em casa nesse momento)

Minalba: Bário, Estrôncio, Cálcio, Magnésio, Potassio, Sódio, Sulfato, Bicarbonato, Fluoreto, Nitrato e Cloreto.

Aquarius: Sulfato de Magnésio, Cloreto de Potássio, Cloreto de Sódio

Onze ingredientes contra três, sem mencionar questões como Ph, Temperatura na fonte, resíduo de evaporação e condutividade, e sem contar também que os componentes da Água Mineral são naturais, com excessão do polêmico fluoreto, enquanto na Aquarius são adicionadas artificialmente.

Ainda numa tentativa de dizer que vende um protudo de qualidade, na embalagem da Aquarius é dito que a pureza e a qualidade da água são garantidas por processos de cloração, filtragem, osmose reversa e ozonização. Em vez de me tranquilizar, essa informação só me faz pensar onde foi que eles arrumaram uma água tão vagabunda para terem que utilizar quatro processos de purificação antes de estar apta para o consumo.

É isso aí, só quis registrar a minha indignação por ter sido feito de otário pelos caras da Coca-cola, e ter comprado gato por lebre.

P.S.: Veja esse vídeo muito interessante, sobre uma nova água que já é sucesso na Africa, a Dirty water.

5 de novembro de 2009

Internet e Amizade

Tive o prazer de ler hoje este excelente texto do Ricardo C. Que fala sobre amizade e Internet, e como esse novo ambiente influencia o surgimento de novos relacionamentos e que, apesar de inovar na forma, mantém inalterado o seu conteúdo. Recomendo que leia antes de ler minhas palavras a seguir que, na verdade, são observações sobre o texto dele.

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Interessantíssimo o tema Internet e Amizade, por tratar do desenvolvimento de uma instituição social antiga - tão antiga quanto a própria humanidade - dentro de um meio totalmente novo. Novo em tempo de vida e novo no conceito.

Sendo a amizade uma “família que se escolhe” é indispensável para seu surgimento conhecer a pessoa que se tem por amigo. Os laços que unem duas pessoas numa amizade somente podem ser feitos conhecendo-se as virtudes e os defeitos mútuos. Não se constrói uma amizade sobre um conhecimento incompleto (dentro dos limites razoáveis, obviamente) do outro.

Dito isso, como fica a criação desses laços no ambiente hermético da internet? Será possível conhecer uma pessoa sem ter contato real com ela? Muito bem colocado quando ele diz que existem duas situações distintas, a da amizade virtual que não tem como se tornar real por impossibilidade física e a pseudo-amizade virtual que não se torna real por falta de interesse (mútuo ou de uma das partes).

A Internet inova (e é uma enorme inovação, diga-se de passagem) quando torna realidade a “cauda longa”, que é a capacidade de elevar ao infinito as possibilidades de interação. Enquanto no mundo físico somos limitados pelo tempo e espaço - nossa possibilidade de conhecer pessoas se limita aos lugares que frequentamos, que é uma parcela infinitesimal de todos os lugares que existem no mundo - na rede mundial podemos contatar centenas, milhares de pessoas que jamais estariam fisicamente ao nosso alcance.

image Isso traz os relacionamentos sociais para uma nova realidade, que possui quatro grandes diferenciais em relação à realidade tradicional. Primeiramente, como foi dito, a possibilidade de contatar muito mais gente. Fóruns, salas de bate-papo, Orkut, Facebook, MSN, Twitter, Blogs, et cætera. São os mais diversos ambientes virtuais por onde circulam milhões de pessoas, todas disponíveis. Em consequência disso surge a segunda característica, que é o pouco tempo que dispomos para dedicar a cada uma dessas pessoas, em virtude da vontade que temos de aproveitar ao máximo essas possibilidades.

Em terceiro lugar, a extrema facilidade que o ambiente proporciona para que as pessoas se mostrem de forma diferente do que realmente são; É extremamente fácil mentir e fingir sobre quem somos, em todos os aspectos. Podemos conversar pela internet com alguém por anos sem saber de fato se é ao menos homem ou mulher. E, por fim, existe uma facilidade extrema para simplesmente desaparecer sem cerimônia; ao contrario de um contato real, na internet podemos excluir e bloquear qualquer pessoa a qualquer momento, sem passar por nenhum confronto ou desconforto.

Junte esses quatro elementos e o que temos? Um ambiente desorganizado, apinhado de gente, com pessoas que quase nunca são o que dizem ser e que, em um segundo, podem desaparecer para sempre. Porém, com imensas possibilidades de interação e, consequentemente, de relacionamentos. Basta aprendermos a separar o joio do trigo, o que é bem diferente de fazer na Internet de como fazemos no mundo real.

Joeirando

Para essa nova realidade necessitamos de uma nova joeira, novos valores éticos e morais, pois os valores tradicionais pouco se aplicam e pouco podem ser úteis nesse novo ambiente. Precisamos aprender a lidar com as novas realidades e as novas possibilidades da internet, no campo dos relacionamentos. E isso leva tempo. Toda essa realidade ainda é muito recente e ainda está tomada por uma euforia muito grande. Ainda falta na Internet a maturidade e a serenidade que somente o tempo pode conceder. Creio que assim que a poeira baixar e os ânimos se acalmarem poderemos aproveitar muito melhor as novas possibilidades criadas pela internet.

3 de novembro de 2009

O sentido da vida

Qual o sentido da vida? Talvez essa seja a questão pseudo-filosófica que mais atormenta a vida das pessoas. De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos? Questões como essas costumam ter tanta importância que verdadeiras multidões passam a vida procurando as respostas. Geralmente as Religiões apresentam as respostas. Nada mais natural, uma vez que são as religiões que lançam essas perguntas.

Antes de ser uma questão filosófica, o questionamento sobre qual o é sentido da vida é uma questão religiosa ou espiritual, no sentido místico da palavra. Ao se fazer esse questionamento, admite-se implicitamente que a vida, a existência, é dotada de significado e, ainda além, de um motivo. Cabe-nos então descobrir o sentido da vida, ou "Por que estamos aqui?".


Mas por que é praticamente unânime o entendimento de que a vida possui um sentido? O que leva bilhões de pessoas a acreditarem que sua existência é resultado de um motivo ou vontade? Experimente dizer a alguém que, talvez, a humanidade seja mera coincidência, e está armada a polêmica. Nós nos recusamos a aceitar que somos simplesmente o resultado de bilhões de anos de reações químicas. Temos que ser mais que isso, afinal seres tão especiais, pensantes, capazes de amar, sorrir e elaborar a teoria da relatividade merecem uma origem mais nobre do que o mero acaso.

Indo além, admitir que a vida possui um sentido ou significado implica admitir que existe uma vontade anterior à vida, uma vontade que deu origem à vida. E para haver uma vontade, é indispensável que haja uma entidade que seja possuidora dessa vontade. Entidade essa que é, em última análise, o Criador. E está fechado o círculo vicioso da Religião.

Para a Religião, o sentido da vida é que o Criador esteja reunido com suas criaturas, afim de que essas possam desfrutar a existência em toda a sua plenitude. Porém, por um motivo não muito claro, coube ao Criador manter as criaturas em um patamar inferior à essa plenitude - no caso, aqui na Terra - para que as criaturas pudessem, por meio do aperfeiçoamento pela dor, tornarem-se aptas à vida plena, que só existe no chamado plano espiritual. Pra quê, porra?

Somos narcisistas, mais que isso, somos definidos pelo narcisismo. Nos consideramos especiais e superiores ao resto de todo o universo. Somos o supra-sumo do cosmos, a expressão máxima da existência. Bem, somos isso tudo aos nossos próprios olhos. Portanto, não nos contentamos em apenas existir. Merecemos mais que isso, merecemos um significado, uma razão de ser, um objetivo. Para haver um motivo para nossa existência, é necessário que algo ou alguém anterior à nossa existência tenha desejado e efetuado a nossa criação. E assim nasce Deus. Deus é a manifestação máxima de nosso narcisismo.


Uma existência sem propósito

Indo na direção oposta, admitimos que a existência humana, assim como tudo no Universo, é desprovido de um sentido. Não há nenhuma razão de ser para tudo o que existe. Tudo é apenas fruto do acaso. Não somos especiais para ninguém além de nós mesmos. Que golpe duro no ego! Por isso é tão difícil alguém aceitar essa idéia. Por isso que chega a ser imoral a alegação da inexistência de Deus, pois implica em renunciar a importância cósmica que julgamos possuirmos. Mas, e se for assim? Qual a implicação prática dessa conclusão?

Deixando de lado as implicações morais, acredito que a primeira grande diferença que podemos notar nessa mudança de entendimento é justamente, ao contrário da primeira intuição que se possa ter, a valorização da vida. Se admitimos que a vida que temos é a única vida que teremos e que a morte põe termo à existência, essa vida passa a ter um valor muito maior do que se for encarada como uma simples passagem para outra vida. Todos os nossos esforços tenderão a ser direcionados para sermos felizes aqui, já que não haverá outra chance.

Também acredito que se torna mais fácil aceitar, compreender e trabalhar as nossas limitações e os nossos defeitos, em vez de encará-los como provações místicas ou resultados de uma vontade divina injustificada.

Atribuindo sentido à vida

Muito diferente de descobrir o sentido da vida, é dar sentido à vida. Enquanto tentar descobrir o sentido da vida é admitir que a mesma não nos pertence, e sim a quem lhe conferiu tal sentido, dar sentido à vida, por outro lado, é compreender que nossa importância não vai além da que nós mesmos nos damos e, dessa forma, o melhor que podemos fazer é aproveitar ao máximo visto que não há outra vida para ser vivida depois dessa. Somos livres para dar à vida o sentido que quisermos, inclusive o de crer que somos parte de um projeto superior, mesmo que isso implique em abrir mão do presente em favor de um futuro cuja existência somente pode ser admitida mediante uma fé religiosa.

2 de novembro de 2009

Fale com Ela (2002)

É ótimo sair de Hollywood às vezes e dar uma volta pelo cinema europeu. Outras formas de contar histórias, outros pontos de vista, outros ângulos de câmera, outra língua.

image O amor precisa ser correspondido, ou é possível amar sem ser amado? Contrariando Roberto Carlos, que canta “…Eu só vou gostar de quem gosta de mim”, Pedro Almodóvar, mostra ocasiões em que o amor é unilateral. Situações em que é uma doação de si mesmo, uma dedicação que não requer reciprocidade. Quando o amor que dedicamos a outra pessoa beneficia principalmente a nós mesmos, trazendo alegria e até um pouco de sentido para nossa vida.

A história

Benigno é um jovem enfermeiro que dedica sua vida a cuidar de Alicia, uma paciente que está em coma há quatro anos. Ele cuida dela com esmero e carinho e, na sua cabeça, eles formam um casal. Ele não se vê apenas como o enfermeiro; Para ele, cuidar vai além de se preocupar com os aspectos práticos tais como dar banho, virar a paciente na cama e administrar a medicação. Ele projeta em Alicia sua dedicação, seu carinho e seu amor.

Antes de cuidar de Alicia, Benigno cuidou de sua mãe por mais de vinte anos. Ela não era doente ou inválida, ele simplesmente foi criado assim. Definitivamente ele não teve uma vida normal, mal saía de casa e tudo o que fazia era pentear, lavar, maquiar e cuidar da mãe. E para ele isso era normal, essa foi a vida a que foi acostumado. Com a morte da mãe, ele transfere para Alicia o mesmo cuidado e os mesmos sentimentos que nutria pela mãe.

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Mas Benigno parece não compreender claramente a situação em que se encontra, ele não se dá conta que seu relacionamento é apenas uma fantasia de sua cabeça. Se Alicia despertar do coma, retribuirá os sentimentos dele? Terá ela alguma obrigação como ele, em função da dedicação que ele teve?

Por outro lado, Marco e Lydia formam um casal que cumprem todos os requisitos de reciprocidade. Exatamente por isso, quando Lydia entra em coma devido a um acidente, Marco não consegue manter o carinho e o amor. Para ele a retribuição era indispensável. Ele não consegue cuidar dela, nem mesmo ajuda as enfermeiras a virá-la na cama. Benigno e Marco encaram o amor de formas diferentes, para um é dedicar-se e doar-se e para outro é uma troca, sem receber não há como dar.

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Definitivamente não é um filme simples e muito menos leve, daqueles que quando termina a exibição, falamos “Hum, que fome. Acho que vou no McDonald’s”. O filme lança muitas questões morais e éticas, e deixa claro que nem tudo é simples e nem tudo pode ser definido como certo ou errado, simplesmente. É uma boa história. Não é o tipo de filme que que faz chorar, melhor que isso, ele te faz refletir.