28 de novembro de 2009

Gamer (2009)

Acabei de assistir o filme Gamer, com Gerard Butler, e estou pensando qual seria a melhor forma de descrevê-lo. Acho que “Perda de tempo” sintetiza satisfatoriamente a minha opinião.

O história é sobre um futuro próximo no qual as pessoas se divertem em jogos online no melhor estilo Second Life (que descanse em paz) com suas raves e personagens de aparência exdrúxula – os chamados avatares, ou  em simulações de combate armado como o Counter-Strike. Porém, com uma singela diferença: Os personagens dos jogos são pessoas de verdade controladas por outras pessoas. Em vez de realidade virtual, realidade real.

Run madafaca

Só um argumento idiota como esse já seria suficiente para que qualquer filme seja uma porcaria, mas o roteiro conseguiu o que parecia improvável – Piorar ainda mais a história e transformar o filme em uma bela porcaria. Por exemplo, os combatentes de Slayers (Esse é o nome do jogo de combate armado) que morrem às dezenas ao longo das fases do jogo são criminosos condenados à morte, recrutados para participarem em troca da promessa de liberdade caso consigam sobreviver. Extremamente original, não?

Essa justificativa foi utilizada muito antes, e de forma muito melhor, no excelente Running Man estrelado por Suasnêga. Inclusive todo aquele lance do protagonista ser inocente e a confissão do cara malvado ser transmitida ao vivo para todo mundo ver, foi copiado do mesmo jeito serviu de inspiração para Gamer.

Para não dizer que tudo no filme é uma merda completa, a música Sweet Dreams do Eurythmics é executada de forma maestral, principalmente com a identificação de sua letra com a trama. Também é sempre válida, embora batida e clichezenta, a crítica que se faz sobre o problema da imersão total no mundo virtual, que parece ser uma realidade cada vez mais próxima e impositiva. Por trás dos personagens magros, saudáveis e bonitos dos jogos, estavam o seus controladores, jogadores obesos mórbidos incapazes de se locomover sem o auxílio de uma cadeira de rodas (tirando o moleque que controlava o Kable, personagem do Butler, esse era um moleque magrinho e de olhos azuis).

Personagens reais dos jogos online do filme

Também houve uma crítica à mídia atual e a forma como transforma a miséria humana em espetáculo, sendo que, como se não bastassem as mazelas que existem naturalmente, em nome do Show se criam situações de ainda mais sofrimento e miséria, ao passo que quanto mais contato temos com toda essa realidade violenta e fria, mais insensíveis e distantes ficamos e, consequentemente, menos humanos. Mas isso o filme não teve interesse em aproveitar.

No frigir dos ovos, é um filme que, embora razoavelmente produzido, não tem como ser mais do que aparece na tela: Tiros e sangue pra todos os lados com uma justificativa duvidosa.

Ah, antes de ir embora, cabe comentar a cena perto do final do filme em que o cara malvado começa a dançar e cantar I’ve got you under my skin, acompanhado de dançarinos assassinos zumbis controlados pelo poder da mente. O comentário é: Diabéisso?

25 de novembro de 2009

Escreveu, não leu…

Passados os dias de Geyse, o que agita a blogosfera essa semana é a desventura de Emílio Moreno, condenado pela justiça a pagar uma indenização de R$ 16 mil devido a um comentário injurioso veiculado em seu blog. O bafafá todo é porque ele foi condenado por algo que outra pessoa escreveu.

O barraco

O caso foi mais ou menos o seguinte: No começo de 2008, Emílio publicou em seu Blog uma notícia sobre uma briga entre alunos do Colégio Santa Cecília, em Fortaleza. Entre os comentários do Blog, houve um anônimo que escreveu algumas ofensas à Diretora do colégio, que também é freira. A diretora/freira processou o blogueiro exigindo indenização por danos morais. O blogueiro não compareceu à última audiência e não justificou sua ausência, e terminou condenado a pagar a indenização.

Hein?

O caso repercutiu nas internets e agora com a condenação tomou um fôlego extra. Eu tenho a ligeira impressão que há uma certa euforia e, por que não dizer, satisfação, quando casos de "absurdos" ou "injustiças" ocorrem e dão aos blogueiros combustível para dois ou três posts (cof,cof.. heim?). Contudo, um fato que vejo ocorrer com muita frequência é a falta de profundidade com que esses casos são abordados. Li uns vinte posts sobre o caso Emílio e em oitenta por cento deles as opiniões e argumentos eram exatamente os mesmos, contando apenas com leves variações de estilo. Obviamente a maioria se pronunciou indignada com a decisão da justiça e tratou de retratar o condenado como um pobre injustiçado vítima da censura.

Mas será que realmente o blogueiro é vítima nessa história? Não sei. E é isso que quero ressaltar, que não é tão simples como parece tomar partido em favor de um lado sem conhecer direito o que se passou. Não é responsável e nem inteligente formar uma opinião conhecendo-se apenas metade do bafafá. Parece mais que a intenção desses posts, antes de alertar para uma possível injustiça e gritar páuer tu depípou, é fazer baderna e jogar merda no ventilador. Isto posto, deixa agora eu falar o que penso dos fatos relatados - com base no que li em diversos blogs e sites de noticias.

Sobre o Blogueiro e seu Blog

O fato é que houve um comentário publicado no Blog, cujo conteúdo atingia a moral de um indivíduo e, ainda por cima, publicado de forma anônima. Portanto esse comentário é duplamente anti-jurídico e, mais que isso, duplamente imoral. Embora o Blogueiro tenha escolhido não moderar seus comentários e permitir postagens anônimas, ele é responsável pelo conteúdo publicado em seu blog, principalmente porque ele é Senhor daquele espaço e nenhum comentário permanece sem sua autorização e, por consequência, seu aval.

Não digo que devam permanecer publicados apenas os comentários que concordem ou favoreçam a perspectiva do Blogueiro, mas sim aqueles que, contrários ou favoráveis, emitam a opinião de forma civilizada e, preferencialmente, identificada. Ou seja, a partir do momento em que uma pessoa permite os comentários em seu Blog, torna-se co-responsável por qualquer prejuízo que deles possam resultar.

Tenho nada com isso, não...

Além disso, parece que o tal Emílio é estudante de Jornalismo (aquela profissão que não precisa mais de diploma) e, como tal, deveria saber pelo menos o básico sobre Responsabilidade, Anonimato, Difamação, Calúnia e principalmente Ações Judiciais por Danos Morais. De acordo com o que foi veiculado pela imprensa é possível que ele tenha mantido o comentário mesmo após ser contatado pela Freira, sob alegação de defender a liberdade de expressão.

"Ainda segundo o blogueiro, que cursa Jornalismo numa faculdade particular, os advogados da freira, entraram em contato com ele e pediu para que o comentarista fosse identificado. Emílio Moreno disse ter de imediato retirado o comentário do post do ar. O advogado Helder Nascimento contestou. Disse que o blogueiro manteve a opinião do leitor, alegando o direito à liberdade de expressão, e também se negou a identificar o autor do comentário."
Fonte: estadao.com.br

Para mim, tenha ele retirado o comentário logo após a reclamação ou só depois de ser intimado pela justiça, a diferença é pouca. Ele deveria ter retirado o comentário assim que o tivesse lido e constatado seu conteúdo ilegal. E se ele não tiver capacidade para discernir que tipo de comentário é opinião e que tipo é injúria, não deve nem mesmo ter um blog, ou então ter dinheiro para pagar condenações por danos morais.

Sobre a Freira

Se fosse comigo o ocorrido, e visse na situação uma chance de arrecadar uns caraminguás para amortizar a prestação do meu financiamento habitacional, faria o mesmo que a freira: Ação na Justiça com gosto de gás. Escreveu, não leu, é analfabeto. Algumas pessoas questionaram pertinentemente sobre onde estariam nessa hora os princípios cristãos da Freira, principalmente um chamado Perdão. Mas isso é bobagem, tenho certeza que Jesus vai ficar mais feliz com o dízimo sobre o valor da indenização.

22 de novembro de 2009

Distrito 9 (2009)

Mais um filme de alienígenas. Mais do mesmo, porém com um mix de temperos que deixam a receita, de certa maneira, interessante – apesar da decepção inevitável que a mudança drástica de rumo causa ao espectador. Distrito 9 é a história de uma nave espacial gigante que encalhou no nosso planeta e não conseguiu mais partir e ir embora. Após três meses de espera, as autoridades humanas resolvem entrar na nave e ver o que que tá pegando. Dentro da nave encontram cerca de um milhão de alienígenas moribundos devido à desnutrição e ao confinamento. Fantástico começo, instigante e envolvente.

Porém, o desenvolvimento do filme não acompanha o mote inicial e acaba enveredando por um caminho de muita ação, pouco conteúdo, irreverência gratuita e diversos clichês. O que poderia se tornar uma grande história infelizmente perde a força e o rumo e termina como um filme pouco acima do medíocre. É um filme de estilo político: Promete mas não cumpre.

O que vale a pena

Pelo menos o começo do filme é sensacional e merece ser visto. A atmosfera criada em torno do acontecimento – Alienígenas que parecem terem vindo pra ficar – nos faz pensar “Uau! Tem coisa boa vindo por aí”. Não por acaso a nave calha de encalhar =) justamente sobre a cidade de Joanesburgo, capital a maior cidade da África do Sul. E após terem sido retirados da nave, a [digite aqui o coletivo de alienígena] extraterrena é alojada em um acampamento no meio da cidade, que é imediatamente cercada por arame farpado e homens armados.

image

Está feito o paralelo. Os alienígenas são irremediavelmente vítimas de racismo e preconceito. É instaurado um novo Apartheid no país de Mandela, dessa vez uma segregação interplanetária. O formato de documentário da primeira parte do filme confere ainda mais impacto aos depoimentos dos sul-africanos, que se voltam contra os alienígenas; “Se ao menos eles fossem desse planeta, os trataríamos como iguais” diz um entrevistado.

O que derruba o filme

Infelizmente, após essa introdução que é dinamite pura, a esperada explosão não acontece. Algo dá muito errado no roteiro e na direção que transforma o filme em uma produção pasteurizada. Não é que esse novo rumo seja de todo ruim, mas a sensação de que algo se perdeu na história deixa um certo vazio para o espectador. Há uma queda muito grande de qualidade após a primeira parte, que não dá para nã ser notada e lamentada.

O Sr. tem 24 horas para abandonar o local. Pelo menos nessa segunda parte há uma certa similaridade com filmes como A Mosca, Alien, Robocop e Tropas Estelares, tanto na linguagem irreverente como na violência banalizada. Foram boas referências, pelo menos. Ponto para o filme. Porém, foram extremamente decepcionantes as soluções encontradas pelo roteiro para dar tensão e tentativa de humor ao filme, como a atitude idiota apresentar intimações aos alienígenas com ações de despejo (francamente…) e a circulação da notícia que o traidor humano que se juntou aos aliens teria sido flagrado tendo relações sexuais com um E.T. (aquela imagem deles atracados é ridícula).

No frigir dos ovos, Distrito nove é um filme razoável, cujo principal demérito é desperdiçar de forma tão leviana um argumento excelente e um começo impecável, porém, se formos capazes de relevar esse disparate, ele se torna um filme divertido de assistir, com bastante ação.

20 de novembro de 2009

Os três mendigos

Ainda na onda do filme Anticristo de Lars Von Trier, vale a pena viajar um pouco sobre o significado dos três mendigos: Sofrimento, Dor e Desespero que, quando reunidos, trazem a morte. Figura aqui mais uma antitese simbólica do cristianismo. Enquanto os três(?) Reis Magos da bíblia se reúnem para presenciar o nascimento do cristo, os três mendigos do filme se reúnem para presenciar a morte. Enquanto os reis da bíblia celebram o divino, os mendigos da natureza festejam o mundano e o natural.

Expulsos do Paraíso


Reza a lenda que Deus criou o universo, a terra, a natureza e o homem. Logo no primeiro capítulo do primeiro livro da bíblia, a criação é narrada em linguagem épica. E já nesse mesmo primeiro capítulo se vê claramente que a religião judaico-cristã (daqui em diante chamada apenas de Religião) coloca o homem acima da natureza, em uma posição de destaque.

Na narrativa religiosa o homem não faz parte da natureza, essa existe com a finalidade de servir aos propósitos do homem. O homem é especial, meio-divino, pois além de ter sido feito à imagem e semelhança do próprio Deus, recebeu de Sua boca o sopro da vida, o pneuma, que é o espírito divino.


Alocado no Jardim do Éden, o homem desfrutava de sua superioridade, tendo tudo a seu serviço. Não havia sofrimento, dor, angústia ou morte. Era a existência ideal. Os animais e toda a natureza lhe era submissa. Contudo, coube ao homem desobedecer a instrução divina e comer do fruto proibido e, por isso, ser expulso do paraíso. Como consequência da expulsão, a existência passou a ser acompanhada de sofrimento, dor, angústia e morte.

Dogmas


Assim, a Religião cria um de seus preceitos mais importantes e que serve de fundamento para toda a sua concepção Moral: O de que toda a dor, sofrimento e desespero que há no mundo não são simplesmente fatos naturais, mas sim consequência da influência maligna sobre o homem. Se o homem sofre, se o homem sente dor, se padece de doenças e angústia e se, por fim, o homem morre, não é porque essas são simplesmente as condições inexoráveis da existência, e sim porque o mal habita entre nós, por meio do pecado.

Em última instância, o homem é um pobre coitado, um bosta n’água incapaz de agir por sua própria razão ou vontade. Se faz o mal, é porque o diabo o tentou e o dominou, se faz o bem é porque foi inspirado por Deus. Lembra daqueles desenhos da Disney que o Pato Donald ficava em dúvida sobre o que fazer e na mesma hora apareciam um anjinho e um diabinho cochichando em seus ouvidos? É isso que a Religião prega.


Veja como o círculo se fecha: Para a Religião o homem não é integrante da natureza, é um ser superior cuja existência é dotada de um significado divino. O homem é o tal, imagem e semelhança de Deus feito para viver eternamente e, assim sendo, não deveria estar sujeito a nada que cause sofrimento à existência, muito menos deveria estar sujeito ao fim da existência.

Os três mendigos


Não há indícios históricos ou geográficos de que tenha havido em algum momento o Jardim do Éden, e tudo o que leva os religiosos a acreditarem nas descrições bíblicas de uma existência livre de sofrimento é a fé. Ao contrário, a memória de todos os povos que já passaram pela terra relatam a existência do sofrimento como uma realidade pungente.


O fato é que somos invariavelmente submetidos às consequências de uma existência frágil e passageira, e essas consequências englobam a dor, o sofrimento, o desespero e finalmente a morte. Enquanto a Religião exclama “O maligno reina no mundo!” e, dessa forma, afirma que o sofrimento e a morte são consequências do pecado – criando consequentemente uma aversão moral a esses fatos - a razão diz “O caos reina no mundo!” e afirma que o sofrimento e a morte são consequências naturais da vida.

17 de novembro de 2009

Anticristo (2009)

Quem é Cristo?
Segundo o cristianismo, religião mais influente do mundo ocidental, Cristo é o Enviado, é o homem que vem ao mundo para trazer salvação: paz e felicidade - trazer vida. O Cristo foi nascido de uma virgem em uma concepção imaculada e na sua chegada foi recebido por três(?) Reis que trouxeram ouro, incenso e mirra.

Quem é Anticristo?
Anticristo é a antítese do Cristo, é tudo aquilo que nega a ideia da Cristo. E é exatamente esse o ponto do filme, apesar de não ser nada fácil enxergar esse ponto. O maior mérito do filme, entre vários, é oferecer uma interpretação de anticristo completamente nova para o cinema, totalmente divergente e infinitamente superior – na minha opinião – dos anticristos convencionais que são, em suma, meninos concebidos de uma relação sexual com o canhoto*.

  • *Canhoto, demo, cramulhão, belzebu, satã, encardido e tinhoso são alguns dos vários nomes que o diabo tem. Clique aqui para uma lista completa.

Prólogo

Se fosse para comentar apenas um ponto do filme, esse ponto seria sem duvida nenhuma o prólogo. Para expressar melhor o meu sentimento em relação à essa parte, não seria exagero usar os seguintes termos: “Puta que o pariu! O prólogo desse filme é a sequência cinematográfica mais foda e impactante que já vi em toda a minha vida. Simplesmente arrebatador. Assombrosamente belo.” Algo assim.

Toda a sequência é filmada em câmera super lenta, em um preto & Branco de alto contraste com um fundo musical que parece ter vindo de um sonho. É impossível não reagir diante das cenas exibidas. Logo nessa parte inicial somos completamente dominados pelo filme, tomados por uma perplexidade e curiosidade que se sustenta durante o desenrolar da exibição e nos mantém sobressaltados o tempo todo. A plasticidade alcançada fortalece demasiadamente a trama da história que vemos na tela.

Sexo Explícito & Simbologia

A carga sexual do filme é forte, e as cenas de sexo são exibidas de uma forma que choca o espectador comum, é sexo explícito na tela. O uso do sexo explícito certamente teve a sua razão de ser e não foi de forma alguma utilizado gratuitamente. Geralmente o cinema retrata as cenas sexuais de forma implícita, à meia luz e com um saxofone tocando um jazz, e assim o sexo é retratado como um meio, por exemplo, a celebração do amor. Infelizmente, parece que somente assim o sexo é aceito, quando revestido de algo que ultrapasse o ato e o diminua.

Quando vemos em Anticristo o ato sexual explicito, o sexo se torna uma finalidade em si mesmo. Nada de amor, nada de significados que trascendem o ato, o que temos ali é mera conjunção carnal, o sexo em sua concepção fisiológica, puramente .

Mostrado assim, o sexo se afasta de qualquer valor moral. Não é bonito ou feio, bom ou ruim, puro ou impuro. É apenas um ato natural. Todos os valores residem exclusivamente dentro de nós.

Anticristo é carregado de símbolos. Não é um filme literal. Os símbolos começam nos dois personagens, que não possuem nome. Apenas um homem e uma mulher. Como não têm nomes, eles representam muito mais que a individualidade de seus personagens, eles representam a humanidade em seus gêneros masculino e feminino. Mais uma vez a câmera super lenta é utilizada para reforçar o caráter simbólico das cenas que, embora haja movimento, mais parecem ser pinturas estáticas. O local onde se a maior parte da história, uma floresta chamada Éden - Que remete invariavelmente ao paraíso de onde a humanidade, simbolizados por Adão e Eva, foram expulsos.

A natureza, tal qual o sexo, é retratada de forma crua e, novamente, qualquer moralização das cenas com animais - Um cervo fêmea que pariu pela metade um filhote natimorto que não saiu completamente e fica pendurado em sua genitália, Um filhote de águia que cai do ninho coberto de formigas que o devoram e em seguida é capturado pela própria mãe, que arranca sua cabeça com o bico, e uma raposa que parece estar devorando sua placenta com o feto dentro - partem exclusivamente do espectador. Essas cenas simbolizam a realidade da natureza, natureza essa que não se divide em homens e animais. Tal qual a moral, essa separação existe apenas em nós.

Anticristo

Afinal, onde está a figura do anticristo? Provavelmente essa deve ser a pergunta mais frequente em relação ao filme. Não é nada fácil encontrarmos se nos mantivermos presos à idéia tradicional de anticristo, como a que citei anteriormente. A inovação, a genialidade e a superioridade dessa obra está justamente em apresentar uma idéia de anticristo completamente nova, muito mais real e próxima de nós.

O anticristo é apresentado, ou melhor, representado por símbolos que se opõem à simbologia cristã. Enquanto temos de um lado o nascimento sem sexo, do outro temos a morte durante o sexo. Enquanto o Cristo é um homem, o anticristo é a Mulher - o gênero feminino. Enquanto Cristo é recebido por três Reis e recebe ouro, incenso e mirra, o anticristo é recebido por três mendigos que trazem sofrimento, dor e desespero. Enquanto Cristo é divino, o anticristo é natural.

A natureza é a igreja de satã, diz a mulher em determinado momento. Aí está todo o segredo e a chave para desvendar a história (pela interpretação que me proponho a fazer, que não tem a pretensão de ser a única). O que se opõe ao divino não é o infernal, mas sim o natural - ou terreno. É a natureza, a nossa própria natureza que se opõe aos valores cristãos. Não precisamos que o diabo se oponha ao divino, nós mesmos fazemos isso naturalmente.

E por que o anticristo é representado pelo gênero feminino? Pode ser porque a mulher sempre foi o alvo e o objeto de toda a nossa natureza. Toda a nossa humanidade, toda a nossa essência se torna completa no corpo de uma mulher. A mulher representa o que há de mais natural, com seus ciclos menstruais, com suas variações de humor, com seus períodos de cio, com sua gestação e com sua capacidade de gerar vida. O homem se vê impotente diante de tanta intensidade que é impossível de ser controlada.

"Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura.."
I Coríntios 2.14

No frigir dos ovos, Anticristo é uma crítica - uma desconstrução do cristianismo que se apresenta como a convicção de que tudo que é natural e humano é essencialmente diabólico e maligno. Enquanto o Cristo nega e rejeita o que é humano e natural, o anticristo abraça e aceita a condição humana, pois essa é a nossa essência.

13 de novembro de 2009

Queremos Saber

Nesses últimos dias tenho escutado muito a Cássia Eller, mais especificamente o álbum Acústico MTV, e mais especificamente ainda a faixa nove.
A música se chama Queremos Saber, e é uma composição assombrosa de Gilberto Gil. Quando comecei a escutar o disco, essa música passou um pouco despercebida, a interpretação comedida e despretensiosa não chama muito a atenção. Mas quando parei pra escutar direito fiquei impressionado com a profundidade da letra. É filosofia pura sob forma de versos e acordes. Uma pérola.


Ao som suave de um violão e uma orquestração quase imperceptível o protagonista da música, o homem comum, faz diversos questionamentos acerca dos avanços tecnológicos e de que forma eles melhoram a situação da humanidade, ou melhor, questiona se, de fato, eles melhoram a nossa condição. Nos últimos anos foram tantas as mudanças de ordem prática, tantas invenções, tecnologias e avanços científicos que nos vemos em um admirável mundo novo. Mas, por outro lado, continuamos com os mesmos medos, preconceitos, limitações e mazelas que nos oprimem há milênios.

Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões

Emancipação do homem. A que o homem ainda está preso e precisa se libertar? O que será tão forte que nem mesmo todo o avanço científico é capaz de nos conceder alforria? Certamente não se trata de um atraso no conhecimento do mundo exterior e dos fenômenos físicos. O que ainda nos mantém aprisionados é a ignorância de nós mesmos. É a força maligna que, antes de tudo, nos impede de fazer questionamentos. É o medo de descobrir que nossas convicções estão erradas. Medo. E contra essa prisão toda a tecnologia do mundo é impotente.
Queremos saber,
Quando vamos ter
Raio laser mais barato
Queremos, de fato, um relato
Retrato mais sério do mistério da luz
Luz do disco voador
Pra iluminação do homem
Tão carente, sofredor
Tão perdido na distância
Da morada do senhor

Humanidade em trevas. Nesse trecho o homem questiona, esperançoso, se a luz do raio laser ou do disco voador é capaz de iluminar nossa existência, nossa consciência. Além de presos, estamos no escuro. Melhor, estamos presos pela escuridão da ignorância. Será que é a luz do raio laser ou a luz dos monitores de computador conseguirão iluminar nossa consciência? Que luz é essa, capaz de nos tornar seres iluminados por dentro? Novamente, é o conhecimento de nós mesmos. Cada um precisa buscar essa luz que somente se alcança por meio do pensamento filosófico, do pensamento crítico, do questionamento ao inquestionável. Essa é uma jornada solitária.
Queremos saber,
Queremos viver
Confiantes no futuro
Por isso se faz necessário prever
Qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem
Tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam
O que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber

A ilusão do poder. Onde vamos com toda essa tecnologia? Todo esse conhecimento - do mundo exterior, repito - nos deu poder sobre o mundo. Mais corretamente, nos deu a ilusão de poder, pois enquanto não formos senhores de nós mesmos não teremos poder nenhum. Enquanto estivermos nas trevas seremos servos da ignorância e do medo.


Gilberto Gil e Cássia Eller
Simplesmente genial a música. Simplesmente genial a interpretação. Que sensibilidade do Gilberto Gil para, em 1976, fazer essa composição que a cada ano e a cada nova invenção se torna mais atual. Quando à interpretação, nem é justo usar esse termo pois Cássia Eller não interpreta a música, ela vive a música.

11 de novembro de 2009

Mais um pouco de Geyse

Virou uma minissérie esse caso da Geyse da Uniban.

Quando tudo estava caminhando para o esquecimento, a Faculdade faz uma declaração pública desastrosa que exalta os ânimos de todos e serve de combustível para blogueiros e panfleteiros. No outro dia volta atrás e gera mais uma marola. E assim o caso se desdobra em posts em série - inclusive aqui.

Algo que chamou a atenção nesse episódio foi a forma como relataram o ocorrido e a pretensa gravidade que que a atitude daqueles viadinhos dos alunos alcançou. Talebã, Apedrejamento, Estupro e Crucificação foram palavras recorrentes nos textos que brotaram por aí, o que demonstra como um fato, apenas por ter repercussão, tende a ser majorado. É aquela história de que quem conta um conto aumenta um ponto. É essa a característica do Texto de Opinião: Ultrapassa os fatos e ganha uma forte carga moral.


Eu acho que Estupro é uma palavra forte, mesmo sob a qualidade de "Estupro Moral", e não acho que seja o caso de sua utilização. Não quero, de forma alguma, atenuar a gravidade do ocorrido e, por outro lado, não quero permitir que o ocorrido seja equiparado, em gravidade, a um estupro de verdade. Por mais reprovável que tenha sido a atuação coletiva em defesa do ambiente escolar, felizmente a mesma não ultrapassou os limites das injúrias, o que é bem diferente e menos grave, quase sempre, que uma violação corporal.

Após tomar conhecimento do Caso Uniban, ver os vídeos no Youtube e ler diversos textos, estive perambulado pelas internetes atrás de noticias e estudos sobre misoginia e manifestações coletivas de agressão à mulher, e encontrei algo deprimente: O caso da menina iraquiana de 17 anos que foi espancada e apedrejada até a morte por namorar com um garoto de um grupo religioso rival. A cena, que durou aproximadamente vinte minutos, foi toda gravada por populares com seus celulares.


Aí sim chegamos ao limite da barbárie e da bestialidade do ódio contra a mulher. Por mais que palavras agridam a moral e a honra, chutes e pedradas agridem muito mais. O que quero dizer com isso, são duas coisas:

Primeiro, que foi bastante útil o ocorrido para alertar sobre duas importantes lacunas sociais: O ódio e preconceito contra a mulher, que avança século XXI adentro e não é restrito às camadas marginalizadas, e a farsa que é o ensino superior privado no Brasil (vide o blog do Nassif).

Segundo, que com a repercussão o caso foi elevado à uma importância maior do que realmente tem. Estupro, Apedrejamento e Crucificação foram palavras comuns nos textos que opinaram sobre o ocorrido. Foi utilizado um sensacionalismo considerável em relação à gravidade do fato. Foi Grave? Claro que foi. Mas não foi tão grave quanto estupros, apedrejamentos e crucificações reais.

8 de novembro de 2009

Uniban, Geyse, Misoginia e Hipocrisia

Vamos fazer umas suposições. Suponhamos que Geyse seja uma moça, como dizem os baianos, arretada ou, como diriam os paulistas da Uniban, puta. Talvez ela faça o tipo mulher-vulgar-quase-fatal. Talvez ela goste de usar roupas provocantes e, mais que isso, talvez ela não finja ser surda quando algum rapazote cheio de si faz um comentário maldoso quando ela passa, cuja finalidade é apenas se afirmar perante os outros rapazotes que formam seu grupinho de galinhos garnisés.

Imagine que situação humilhante para esses pobres garotos com capacidade mental ainda incompleta, em plena formação de sua identidade e extremamente dependentes da aprovação de seus colegas, quando tentam realizar o importante ato social de bancarem os fodões pra cima de uma menina, e em vez dela colaborar e cumprir o seu papel de ficar ruborizada e, calada, apressar o passo, resolve se insurgir contra o que está posto e mostra para o macho que ele não é assim tão macho.

Alunos defendendo o ambiente escolar Não pode haver outro resultado além do ódio contra o gênero feminino. Ódio resultante não de uma agressão injustificada ou de uma dominação pela força, mas ódio por ter sido ela o agente que me mostrou que as bolas nos meios das minhas pernas só servem pra encolher quando tomo banho frio. E assim as Geyses, com suas atitudes e seus vestidos  cor de groselha-com-leite, alimentam a misoginia latente nos homens de miolos e testículos minguados.

Estes mesmos homens que a chamam de puta protegidos pela multidão, em meados de fevereiro se travestem daquilo que têm mais medo: De mulher. E saem pelas ruas maquiados e de mini-saias ironizando aquilo que os apavoram. Estes mesmos homens que a chamam de puta porque está todo mundo chamando também, em suas camas solitárias à noite se masturbam por ela cheios de culpa e choram molhando os lençóis.

É como diz o Leoni: Garotos como eu sempre tão espertos, perto de uma mulher são só garotos.

Sobre o ensino superior privado no Brasil

O fato é que as Faculdades particulares brasileiras são meros comércios de diplomas. Não há nenhum interesse em ensinar e muito menos em aprender. O nível cultural dos diplomados é deprimente, há (muitíssimos) casos de alunos se formarem sem ler um único livro sequer. Quanto mais, desenvolverem senso crítico ou a capacidade de questionar.

Colação de Grau

Mas é assim que as coisas funcionam no Brasil, a terra do fingimento. Aqui todos fingem. Os professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem, só não se pode fingir o pagamento das mensalidades, ou são pagas de verdade ou a brincadeira acaba.

Ainda falta ao brasileiro médio a capacidade de pensar. Falta abandonar a inércia destruidora da preguiça mental, e colocar os neurônios para trabalhar. Aqui por essas bandas pensar é feio e discordar é ser rebelde. Quem pensa ou age diferentemente da manada é imediatamente marginalizado, sem que haja sequer apreciação de seus atos ou pensamentos.

7 de novembro de 2009

Aquarius: A água artificial da Coca-cola

Estou tentando me livrar dos refrigerantes e seus adoçantes, corantes, conservantes e acidulantes que só podem fazer mal. É como beber a tabela periódica inteira. Para substituir, escolhí a velha e boa Água que, até então eu só conhecia em três versões: Mineral, Potável de Mesa e Torneiral ou “água da bica”.

Eis que hoje fui apresentado à uma nova categoria, a água articifial Aquarius da Coca-cola. Não estou falando da famigerada Aquarius Fresh, e sim da água Aquarius, que me foi vendida como água mineral. Assim que tomei o primeiro gole sentí um gosto de “essa-merda-não-é-água-mineral-nem-no-infermo” que me deixou até com raiva. Peguei a embalagem pra ler do que se tratava e lá estava “Água adicionada de sais minerais”. Ah tá, sei.

Sabor terra

Vai tomar no cu! Quando eu bebia refrigerante eu sabia que era uma mistura venenosa cuja fórmula foi elaborada por Satanás, mas vender água artificial é ultrapassar todos os limites da decência.

Pra quem não sabe, Água Mineral é a água que possui em sua composição original (na fonte) os chamados sais minerais, que a diferem da água potável comum. Existe até uma Lei que regulamenta isso tudo. Inclusive, nas Águas Minerais de verdade vem escrito na embalagem até mesmo nome da Fonte de origem.

Aí chega a Coca-cola, abre a torneira da pia da cozinha, despeja sal e sulfato de magnésio naquela água que nem potável deve ser, em sua origem, e vende como se Água Mineral fosse. Já mandei eles tomarem no cu?

Para efeito de comparação, veja a diferença da composição entre a Água Mineral Minalba e a Aquarius: (Escolhi a Minalba apenas porque é a que tem aqui em casa nesse momento)

Minalba: Bário, Estrôncio, Cálcio, Magnésio, Potassio, Sódio, Sulfato, Bicarbonato, Fluoreto, Nitrato e Cloreto.

Aquarius: Sulfato de Magnésio, Cloreto de Potássio, Cloreto de Sódio

Onze ingredientes contra três, sem mencionar questões como Ph, Temperatura na fonte, resíduo de evaporação e condutividade, e sem contar também que os componentes da Água Mineral são naturais, com excessão do polêmico fluoreto, enquanto na Aquarius são adicionadas artificialmente.

Ainda numa tentativa de dizer que vende um protudo de qualidade, na embalagem da Aquarius é dito que a pureza e a qualidade da água são garantidas por processos de cloração, filtragem, osmose reversa e ozonização. Em vez de me tranquilizar, essa informação só me faz pensar onde foi que eles arrumaram uma água tão vagabunda para terem que utilizar quatro processos de purificação antes de estar apta para o consumo.

É isso aí, só quis registrar a minha indignação por ter sido feito de otário pelos caras da Coca-cola, e ter comprado gato por lebre.

P.S.: Veja esse vídeo muito interessante, sobre uma nova água que já é sucesso na Africa, a Dirty water.

5 de novembro de 2009

Internet e Amizade

Tive o prazer de ler hoje este excelente texto do Ricardo C. Que fala sobre amizade e Internet, e como esse novo ambiente influencia o surgimento de novos relacionamentos e que, apesar de inovar na forma, mantém inalterado o seu conteúdo. Recomendo que leia antes de ler minhas palavras a seguir que, na verdade, são observações sobre o texto dele.

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Interessantíssimo o tema Internet e Amizade, por tratar do desenvolvimento de uma instituição social antiga - tão antiga quanto a própria humanidade - dentro de um meio totalmente novo. Novo em tempo de vida e novo no conceito.

Sendo a amizade uma “família que se escolhe” é indispensável para seu surgimento conhecer a pessoa que se tem por amigo. Os laços que unem duas pessoas numa amizade somente podem ser feitos conhecendo-se as virtudes e os defeitos mútuos. Não se constrói uma amizade sobre um conhecimento incompleto (dentro dos limites razoáveis, obviamente) do outro.

Dito isso, como fica a criação desses laços no ambiente hermético da internet? Será possível conhecer uma pessoa sem ter contato real com ela? Muito bem colocado quando ele diz que existem duas situações distintas, a da amizade virtual que não tem como se tornar real por impossibilidade física e a pseudo-amizade virtual que não se torna real por falta de interesse (mútuo ou de uma das partes).

A Internet inova (e é uma enorme inovação, diga-se de passagem) quando torna realidade a “cauda longa”, que é a capacidade de elevar ao infinito as possibilidades de interação. Enquanto no mundo físico somos limitados pelo tempo e espaço - nossa possibilidade de conhecer pessoas se limita aos lugares que frequentamos, que é uma parcela infinitesimal de todos os lugares que existem no mundo - na rede mundial podemos contatar centenas, milhares de pessoas que jamais estariam fisicamente ao nosso alcance.

image Isso traz os relacionamentos sociais para uma nova realidade, que possui quatro grandes diferenciais em relação à realidade tradicional. Primeiramente, como foi dito, a possibilidade de contatar muito mais gente. Fóruns, salas de bate-papo, Orkut, Facebook, MSN, Twitter, Blogs, et cætera. São os mais diversos ambientes virtuais por onde circulam milhões de pessoas, todas disponíveis. Em consequência disso surge a segunda característica, que é o pouco tempo que dispomos para dedicar a cada uma dessas pessoas, em virtude da vontade que temos de aproveitar ao máximo essas possibilidades.

Em terceiro lugar, a extrema facilidade que o ambiente proporciona para que as pessoas se mostrem de forma diferente do que realmente são; É extremamente fácil mentir e fingir sobre quem somos, em todos os aspectos. Podemos conversar pela internet com alguém por anos sem saber de fato se é ao menos homem ou mulher. E, por fim, existe uma facilidade extrema para simplesmente desaparecer sem cerimônia; ao contrario de um contato real, na internet podemos excluir e bloquear qualquer pessoa a qualquer momento, sem passar por nenhum confronto ou desconforto.

Junte esses quatro elementos e o que temos? Um ambiente desorganizado, apinhado de gente, com pessoas que quase nunca são o que dizem ser e que, em um segundo, podem desaparecer para sempre. Porém, com imensas possibilidades de interação e, consequentemente, de relacionamentos. Basta aprendermos a separar o joio do trigo, o que é bem diferente de fazer na Internet de como fazemos no mundo real.

Joeirando

Para essa nova realidade necessitamos de uma nova joeira, novos valores éticos e morais, pois os valores tradicionais pouco se aplicam e pouco podem ser úteis nesse novo ambiente. Precisamos aprender a lidar com as novas realidades e as novas possibilidades da internet, no campo dos relacionamentos. E isso leva tempo. Toda essa realidade ainda é muito recente e ainda está tomada por uma euforia muito grande. Ainda falta na Internet a maturidade e a serenidade que somente o tempo pode conceder. Creio que assim que a poeira baixar e os ânimos se acalmarem poderemos aproveitar muito melhor as novas possibilidades criadas pela internet.

3 de novembro de 2009

O sentido da vida

Qual o sentido da vida? Talvez essa seja a questão pseudo-filosófica que mais atormenta a vida das pessoas. De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos? Questões como essas costumam ter tanta importância que verdadeiras multidões passam a vida procurando as respostas. Geralmente as Religiões apresentam as respostas. Nada mais natural, uma vez que são as religiões que lançam essas perguntas.

Antes de ser uma questão filosófica, o questionamento sobre qual o é sentido da vida é uma questão religiosa ou espiritual, no sentido místico da palavra. Ao se fazer esse questionamento, admite-se implicitamente que a vida, a existência, é dotada de significado e, ainda além, de um motivo. Cabe-nos então descobrir o sentido da vida, ou "Por que estamos aqui?".


Mas por que é praticamente unânime o entendimento de que a vida possui um sentido? O que leva bilhões de pessoas a acreditarem que sua existência é resultado de um motivo ou vontade? Experimente dizer a alguém que, talvez, a humanidade seja mera coincidência, e está armada a polêmica. Nós nos recusamos a aceitar que somos simplesmente o resultado de bilhões de anos de reações químicas. Temos que ser mais que isso, afinal seres tão especiais, pensantes, capazes de amar, sorrir e elaborar a teoria da relatividade merecem uma origem mais nobre do que o mero acaso.

Indo além, admitir que a vida possui um sentido ou significado implica admitir que existe uma vontade anterior à vida, uma vontade que deu origem à vida. E para haver uma vontade, é indispensável que haja uma entidade que seja possuidora dessa vontade. Entidade essa que é, em última análise, o Criador. E está fechado o círculo vicioso da Religião.

Para a Religião, o sentido da vida é que o Criador esteja reunido com suas criaturas, afim de que essas possam desfrutar a existência em toda a sua plenitude. Porém, por um motivo não muito claro, coube ao Criador manter as criaturas em um patamar inferior à essa plenitude - no caso, aqui na Terra - para que as criaturas pudessem, por meio do aperfeiçoamento pela dor, tornarem-se aptas à vida plena, que só existe no chamado plano espiritual. Pra quê, porra?

Somos narcisistas, mais que isso, somos definidos pelo narcisismo. Nos consideramos especiais e superiores ao resto de todo o universo. Somos o supra-sumo do cosmos, a expressão máxima da existência. Bem, somos isso tudo aos nossos próprios olhos. Portanto, não nos contentamos em apenas existir. Merecemos mais que isso, merecemos um significado, uma razão de ser, um objetivo. Para haver um motivo para nossa existência, é necessário que algo ou alguém anterior à nossa existência tenha desejado e efetuado a nossa criação. E assim nasce Deus. Deus é a manifestação máxima de nosso narcisismo.


Uma existência sem propósito

Indo na direção oposta, admitimos que a existência humana, assim como tudo no Universo, é desprovido de um sentido. Não há nenhuma razão de ser para tudo o que existe. Tudo é apenas fruto do acaso. Não somos especiais para ninguém além de nós mesmos. Que golpe duro no ego! Por isso é tão difícil alguém aceitar essa idéia. Por isso que chega a ser imoral a alegação da inexistência de Deus, pois implica em renunciar a importância cósmica que julgamos possuirmos. Mas, e se for assim? Qual a implicação prática dessa conclusão?

Deixando de lado as implicações morais, acredito que a primeira grande diferença que podemos notar nessa mudança de entendimento é justamente, ao contrário da primeira intuição que se possa ter, a valorização da vida. Se admitimos que a vida que temos é a única vida que teremos e que a morte põe termo à existência, essa vida passa a ter um valor muito maior do que se for encarada como uma simples passagem para outra vida. Todos os nossos esforços tenderão a ser direcionados para sermos felizes aqui, já que não haverá outra chance.

Também acredito que se torna mais fácil aceitar, compreender e trabalhar as nossas limitações e os nossos defeitos, em vez de encará-los como provações místicas ou resultados de uma vontade divina injustificada.

Atribuindo sentido à vida

Muito diferente de descobrir o sentido da vida, é dar sentido à vida. Enquanto tentar descobrir o sentido da vida é admitir que a mesma não nos pertence, e sim a quem lhe conferiu tal sentido, dar sentido à vida, por outro lado, é compreender que nossa importância não vai além da que nós mesmos nos damos e, dessa forma, o melhor que podemos fazer é aproveitar ao máximo visto que não há outra vida para ser vivida depois dessa. Somos livres para dar à vida o sentido que quisermos, inclusive o de crer que somos parte de um projeto superior, mesmo que isso implique em abrir mão do presente em favor de um futuro cuja existência somente pode ser admitida mediante uma fé religiosa.

2 de novembro de 2009

Fale com Ela (2002)

É ótimo sair de Hollywood às vezes e dar uma volta pelo cinema europeu. Outras formas de contar histórias, outros pontos de vista, outros ângulos de câmera, outra língua.

image O amor precisa ser correspondido, ou é possível amar sem ser amado? Contrariando Roberto Carlos, que canta “…Eu só vou gostar de quem gosta de mim”, Pedro Almodóvar, mostra ocasiões em que o amor é unilateral. Situações em que é uma doação de si mesmo, uma dedicação que não requer reciprocidade. Quando o amor que dedicamos a outra pessoa beneficia principalmente a nós mesmos, trazendo alegria e até um pouco de sentido para nossa vida.

A história

Benigno é um jovem enfermeiro que dedica sua vida a cuidar de Alicia, uma paciente que está em coma há quatro anos. Ele cuida dela com esmero e carinho e, na sua cabeça, eles formam um casal. Ele não se vê apenas como o enfermeiro; Para ele, cuidar vai além de se preocupar com os aspectos práticos tais como dar banho, virar a paciente na cama e administrar a medicação. Ele projeta em Alicia sua dedicação, seu carinho e seu amor.

Antes de cuidar de Alicia, Benigno cuidou de sua mãe por mais de vinte anos. Ela não era doente ou inválida, ele simplesmente foi criado assim. Definitivamente ele não teve uma vida normal, mal saía de casa e tudo o que fazia era pentear, lavar, maquiar e cuidar da mãe. E para ele isso era normal, essa foi a vida a que foi acostumado. Com a morte da mãe, ele transfere para Alicia o mesmo cuidado e os mesmos sentimentos que nutria pela mãe.

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Mas Benigno parece não compreender claramente a situação em que se encontra, ele não se dá conta que seu relacionamento é apenas uma fantasia de sua cabeça. Se Alicia despertar do coma, retribuirá os sentimentos dele? Terá ela alguma obrigação como ele, em função da dedicação que ele teve?

Por outro lado, Marco e Lydia formam um casal que cumprem todos os requisitos de reciprocidade. Exatamente por isso, quando Lydia entra em coma devido a um acidente, Marco não consegue manter o carinho e o amor. Para ele a retribuição era indispensável. Ele não consegue cuidar dela, nem mesmo ajuda as enfermeiras a virá-la na cama. Benigno e Marco encaram o amor de formas diferentes, para um é dedicar-se e doar-se e para outro é uma troca, sem receber não há como dar.

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Definitivamente não é um filme simples e muito menos leve, daqueles que quando termina a exibição, falamos “Hum, que fome. Acho que vou no McDonald’s”. O filme lança muitas questões morais e éticas, e deixa claro que nem tudo é simples e nem tudo pode ser definido como certo ou errado, simplesmente. É uma boa história. Não é o tipo de filme que que faz chorar, melhor que isso, ele te faz refletir.

31 de outubro de 2009

Efeito Manada

Manada
S.f.: 1. Rebanho de gado 2. grupo numeroso de pessoas passivas, que se deixam conduzir sem questionamento.

Todo mundo já assistiu aqueles programas do Animal Planet, que mostra uma manada de antílopes descansando, ou bebendo água na beira do rio, quando de repente um deles começa a correr e então todos os outros saem correndo juntos na mesma direção. Esse é o comportamento de manada, que tem sua razão de ser no mundo animal. Pois se um antílope saiu correndo, é porque avistou algum perigo, provavelmente um leopardo faminto se aproximando doido pra almoçar carne crua.

Essa brincadeira de pique-pega entre o leopardo e os antílopes é muito rápida. Se um antílope vacilar por meio segundo, já era, vira almoço. Então, quando vê que já tem um desesperado correndo feito louco, o melhor que ele tem a fazer é correr também, pois se levantar a cabeça para olhar ao redor, como quem diz “peraí, deixa eu ver por que esse cara tá correndo.” já é tarde demais para fugir.

É pra lá, corre!

O mesmo acontece com os quadrúpedes de duas pernas chamados humanos. Imagina que você está na praia, em um estádio de futebol ou no shopping passeando, e do nada surge uma galera – tem que ser muita gente, e não meia dúzia. Na verdade, tem que ser todo mundo  – correndo desesperada, gritando e pisoteando os que tropeçam. O que você faz?

  • A) Fica parado, pescoçando, tentando ver do que todo mundo foge.
  • B) Levanta as mãos e pede calma, pois desespero não resolve nada.
  • C) Aproveita a confusão e passa a mão na bunda daquela gostosa que você estava de olho.
  • D) Sai correndo também, e deixa pra perguntar depois.

Nessa situação, o efeito manada é o mesmo do mundo animal. Nosso instinto age e somos tomados pelo impulso. Não há tempo para deliberar. Contudo, conosco, ditos racionais, o efeito manada se manifesta de uma outra forma ainda mais irracional. Nós temos a tendência de imitar o que está todo mundo fazendo somente porque…  Está todo mundo fazendo!

Foi isso que aconteceu com os caras-pintadas em 92. noventa e nove por cento participou por que era o lance do momento, o um por cento restante participou porque foi manipulado pela oposição ao governo. Foi isso também que aconteceu com a aluna da Uniban que abandou o prédio sob o coro de “puta, puta, puta”. Absolutamente nenhum dos debilóides que aparecem no vídeo gritando e quicando feito macacas no cio sabia o que de fato ocorreu. “O negócio é fazer que nem todo mundo”.

Isso mostra o estado alterado em que ficamos quando estamos em grupo. A tendência quase irresistível de seguir a manada. Está todo mundo correndo, também vou correr. Está todo mundo batendo palmas, também vou aplaudir. Está todo mundo gritando, também vou gritar. Está todo mundo passando merda no cabelo, vou fazer um penteado estilo shit moicano.

E sabendo desse comportamento, pessoas espertas e manipuladoras como políticos e pastores evangélicos usam o efeito manada em seu favor, para conferir autenticidade e autoridade a seus atos mentirosos e desprezíveis. Em um comício é aquela gritaria, aquele oba-oba, pessoas defendendo fervorosamente aquilo que não entendem. Nas igrejas é a mesma coisa, o pastor Ryu solta um shoryuken haddouken e os idiotas todos caem pra trás, aleluia! Esse tipo de manipulação em massa inibe o surgimento do pensamento crítico, pois qualquer questionamento é tido como ameaça ao que todos têm como certo e comprovado.

E assim a vida vai seguindo, com os espertos tangendo seus rebanhos.

30 de outubro de 2009

Confissão de um indiferente arrependido

Qual a diferença entre ignorância e apatia?
Não sei e não quero saber.

Como expressar o sentimento, quando tudo o que se sente é um vazio? Quando se olha o mundo e tudo que vem à mente é um silêncio, que só não é absoluto devido ao assobio constante e quase inaudível, cuja única função é tornar tudo ainda mais cinzento? Como um anti-mantra que insiste em ecoar na nossa cabeça, para que nem mesmo paz possamos ter.


À medida que os dias passam e tudo se repete da mesma forma, é como se a cada repetição tudo perdesse um pouco de cor, um pouco de vida. 

Dia após dia os acontecimentos vão perdendo a importância. Depois de algum tempo, o que mais pensamos é "tanto faz" . Já passamos por tudo tantas vezes, já repetimos tanto a mesma cena, que não fazemos mais questão.

Com os olhos, percorro o cenário desgastado à procura de algo novo, alguma cor no meio de tanto cinza, mas é sempre em vão. Já faz tanto tempo desde a última vez que vi uma cor, que se visse hoje algo colorido, acho que não reconheceria. Talvez seja melhor fazer que nem aquelas pessoas que mentem para si mesmas, ou induzem a si mesmas, e repetem constantemente que tudo é colorido e cheio de vida. Essa repetição talvez abafe o assobio e, com o tempo, se tiver sorte, até acredite que realmente tudo tem cor e vida.

Há um tempo certo para tudo na vida, tudo a seu tempo. Mas eu quero tudo ao mesmo tempo, quero tudo agora. Não quero esperar. Quero tudo a um clique de distância. Não importa se é a espera que dá valor às conquistas, não importa se a conquista sem esforço e sem espera não tem valor. Eu quero tudo assim, pasteurizado. Tudo igual, tudo cinza. Eu quero que tudo acabe.

Se tudo acabar, existe a chance de tudo renascer de um jeito diferente. O que está aí não serve mais.

Uma vez eu li que não vemos o mundo como ele é, mas como somos. Será que sou cinzento e sem vida? Se for assim, eu que tenho que morrer e renascer diferente. Será essa a diferença entre mim e o suicida? Eu quero renascer, o suicida quer apenas morrer. A única questão agora é saber como renascer.

Renascer é recomeçar. recomeçar é esquecer tudo o que vivemos e sabemos, e aprender novamente. Mas se esquecer tudo, como evitar de percorrer o mesmo caminho que me trouxe aqui, nessa versão cinzenta do mundo? É somente isso que eu preciso lembrar, de me afastar do cinza. Sempre que algo começar a parecer cinzento, tenho que mudar a direção. É isso. Vou ressurgir do cinza e das cinzas.

28 de outubro de 2009

Eu quero é Poder

Conhece aquela história da fábrica de sapatos que queria expandir sua atuação para outros países, e mandou dois representantes para a Índia, afim de avaliarem se lá seria um bom mercado? Os dois foram e, logo na primeira semana, enviaram seus relatórios. O primeiro concluiu que não seria possível a empresa se estabelecer naquele país pois, pelo que havia observado, ninguém lá usava sapatos. O relatório do segundo dizia que quanto antes abrissem uma fábrica lá, melhor seria, pois ninguém lá usava sapatos.


Deixando de lado a moral marketeira-motivacional-corporativa do exemplo, ele serve bem para expressar uma prática comum  que as instituições mais básicas na sociedade utilizam para se manterem vivas e dominantes. As instituições a que me refiro são o Estado, a Indústria e a Igreja. Essas três instituições são responsáveis pela organização, produção e moral sociais. Para existirem e se manterem e, além disso, para permanecerem dominantes, elas precisam que todos creiam que elas realmente são indispensáveis. Mas como?

Criando dificuldades

A vida é simples. Ou deveria ser, pelo menos. Nós é que somos complicados e complicamos tudo o que tocamos. Criamos um sistema social complexo ao longo dos milênios, partindo da época das cavernas até hoje, sempre acrescentamos um pouquinho de complicação em cada etapa. O resultado é esse emaranhado social totalmente confuso, muitas vezes contraditório e cada vez mais afastado das nossas necessidades básicas.

Mas como um sistema confuso, contraditório e insatisfatório consegue se manter e se fortalecer cada vez mais? Eu respondo: Fazendo as pessoas acreditarem que ele é necessário. Afinal, se algo é ruim mas precisamos dele, paciência. Fazer o quê? É um mal necessário. Dessa forma,
Cria-se a dificuldade para vender facilidade. Essa é a receita mágica utilizada pelo Estado, Indústria e Igreja não apenas para existirem, mas para dominarem a sociedade. E o que ganham com isso? Poder, meu amigo, poder.

O Estado

Sinceramente, se fosse para o Estado funcionar, ele funcionaria. Aliás, ele funciona. Apenas não funciona como imaginamos que deveria funcionar. Nós aprendemos que o Estado existe para nós. Mas para o Estado, nós existimos para ele. Sua função não é nos servir, mas existir para si próprio, se manter e se fortalecer. E quem ganha com isso? Eles, meu amigo, eles. Eles quem? Eles, você sabe. Os marcianos? Não porra, os dominantes, a classe dominante. O mundo é uma grande conspiração. Existem os dominantes e os dominados. Tudo o que é feito no mundo, é feito para manter os dominantes no domínio. Como eu disse, poder.

O estado é uma profilaxia. Criado supostamente para manter sob controle as mazelas humanas. Violência, doenças, fome, essas coisas. O Estado deveria ser uma forma colaborativa de combater tudo aquilo que aflige a sociedade. Portanto, o Estado somente existe enquanto existirem essas aflições. Sendo assim, qual o interesse do Estado em erradicar o mal, se isso implicaria sua extinção?

É claro que, mesmo que quisesse, não seria possível erradicar os males que afligem a sociedade. Violência, fome e doenças sempre vão existir. O Estado sempre será necessário. Contudo, não basta ao estado ser necessário, Ele quer dominar e se impor para, dessa forma, seus controladores dominarem e imporem suas vontades sobre a sociedade.

Então, é interesse do Estado manter os males sociais sempre em patamares elevados, quase insuportáveis, pois quanto maiores os males, maior a importância do Estado. Em última análise, a civilidade afasta o Estado. Quanto mais educados, tolerantes e conscientes forem as pessoas, menos elas precisam de um Estado para as proteger. Veja o caso da violência, por exemplo. Imagine um grupo de crianças brincando de polícia e ladrão. Umas fazem o papel de ladrão e outras de policia. Os ladrõezinhos saem correndo e se escondem. Os policiaizinhos correm à sua procura. O que acontece quando os policiais pegam todos os ladrões? A brincadeira acaba

Exatamente o mesmo acontece com a violência e o crime de verdade. Pense na quantidade de pessoas e dinheiro que envolve toda a atividade policial do Estado. Pense em como essa engrenagem é importante para a máquina, na geração de poder. Pensou? Então imagine se a criminalidade e a violência despencarem em noventa e cinco por cento, por exemplo. O que aconteceria nesse caso? Se isso ocorresse, seria necessária a redução do quadro policial para adequação à nova realidade. Consequentemente, resultaria em menos poder para o Estado. E quem gosta de perder poder?

O mesmo se aplica a todas as outras situações. Crime e violência, doenças, educação, fome, etc. Se o Estado reduzisse esses problemas pela metade, seu poder seria reduzido na mesma proporção. Portanto, é interesse do Estado manter todos esses males bem vivos e, mais que isso, incentivar o surgimento de mais e mais problemas e dificuldades para, assim, poderem vender a sua facilidade.

Comparando com a anedota do inicio desse post, é como se o Estado espalhasse cacos de vidro pelas ruas, para que as pessoas se vissem forçadas a usarem sapatos. O Estado cria pobreza, violência, doenças e ignorância para vender saúde, educação, segurança, ordem e progresso.

No próximo post:
Como a Indústria e a igreja utilizam a mesma estratégia.

27 de outubro de 2009

Dinheiro!

Uma vez um cara muito doido disse que o amor ao dinheiro é a raiz de todo mal. Então, seus seguidores se espalharam pelo mundo pregando suas palavras. E hoje cobram por isso.

Dinheiro: Meio ou fim? Na teoria é sempre um meio, mas na prática é um fim. Será? Acho que não. Explico.

Hoje em dia o ócio é praticamente imoral. Nós realmente acreditamos que o nosso tempo precisa ser gasto integralmente com atividades produtivas, que na verdade é um eufemismo para trabalho. Aceitamos entregar setenta por cento de nosso tempo em troca de trocados (desculpe o trocadilho =p). Isso significa que vivemos para trabalhar, o que significa que vivemos para ganhar dinheiro. Mas pra quê? Pra comprar coisas. Que coisas? Qualquer coisa, principalmente coisas que você nunca vai precisar.

Uma das utilidades do dinheiro

Não estou aqui pra falar mal do capitalismo e muito menos do dinheiro, mesmo porque eu gosto muito dele. Mas quero sim falar mal do valor que o dinheiro ocupa em nossas vidas. O dinheiro, e o que ele representa, foi elevado ao status mais elevado em nossa sociedade. Medimos o valor de uma pessoa pelas roupas que usa, carro que possui, local onde mora e por aí vai. E sendo essa a referência de Valor, todos perseguimos esse ideal.

E o que leva as pessoas à compulsão de juntar dinheiro, sem haver um destino previamente planejado para esse dinheiro?
Por exemplo, imagine uma pessoa que trabalha seis horas por dia e com o que ganha, consegue se manter e ter uma vida que ela considera confortável. Então ela recebe uma proposta para trabalhar oito horas por dia e ganhar mais dinheiro. Certamente ficará tentada a aceitar. Mas porquê, se ela já tem tudo que necessita para se manter de forma satisfatória e essa proposta requer que ela sacrifique ainda mais o seu precioso tempo? A resposta é que, por mais que ela tenha tudo o que precisa, ela nunca tem tudo o que deseja.

Nunca ninguém está plenamente satisfeito. Queremos sempre mais. É da nossa natureza criar novas expectativas para substituir as que foram correspondidas. E no modelo capitalista essas expectativas se concentram quase que totalmente nos bens materiais. Mal desembalamos a televisão de quarenta polegadas que acabamos de comprar, e já queremos uma de cinquenta, depois sessenta e por aí vai. Por isso que uma pessoa aceita sacrificar seu tempo, desde que isso signifique a possibilidade de juntar mais dinheiro que, por sua vez, significa a possibilidade de saciar mais de seus muitos desejos consumistas.

Agora o pulo do gato.

Dinheiro pra nada e mulheres de graça Por que as pessoas juntam dinheiro, mas hesitam na hora de convertê-lo em satisfação? Porque gostam de manter quantias consideráveis no banco enquanto sonham com o mais novo lançamento? Se temos uma vontade, e temos dinheiro para satisfazer essa vontade, o que nos impede? Eu respondo: As outras vontades.

O consumismo está tão arraigado em nós, que somos incapazes de querer uma coisa de cada vez. Queremos a televisão de cinquenta polegadas, mas queremos também trocar de carro, viajar pra Miami e reformar o apartamento. Oh dúvida cruel! Tantos desejos e tão pouco dinheiro para satisfazê-los. Os nossos desejos evoluem exponencialmente em relação ao nosso dinheiro. Temos mil dinheiros, queremos bens que totalizam dois mil. Temos dois mil? Então o que queremos custa quatro mil, e por aí vai. Não importa quanto dinheiro nós temos, nunca será o suficiente. Nossa vontade é infinita, como a do glutão asqueroso do Sentido da Vida.

Dessa forma, tal qual formigas strippers zumbis, nós juntamos, juntamos e juntamos à espera do dia em que teremos dinheiro para comprar tudo o que queremos. Dia esse que nunca chegará. Além disso, o dinheiro no banco tem um significado muito especial. Significa possibilidades. Mesmo que o dinheiro que temos não compre tudo o que queremos, ele certamente é suficiente para comprar uma parte do que queremos. Enquanto ele estiver lá, quietinho no banco, nós nos confortamos em sonhar com as possíveis satisfações que ele pode trazer. Mas não podemos nunca gastá-lo, senão o sonho acabada, e aquilo que compramos ironicamente deixa de nos satisfazer assim que abrimos a embalagem.

26 de outubro de 2009

A Caverna na Matrix

Cypher está em um restaurante, acompanhado do agente Smith. Ele negocia os termos de sua traição enquanto saboreia um suculento filé. Ele sabe que aquele filé não existe. Nada ali existe, todo o cenário é uma simulação da Matrix.
  • - Mundo real. Ah, que piada! Você sabe o que é real? Vou dizer o que é.
Então ele corta um belo pedaço de bife, espeta com o garfo e fica segurando à sua frente, admirando sua textura, cheiro, cor, como é tenro e macio.
  • - Real é apenas uma palavra de quatro letras.
Ele ri e põe o bife na boca, e mastiga com vontade. It's so fucking good.
  • - Eu sei que esse bife não existe, eu sei que quando ponho ele na boca e mastigo, a Matrix está dizendo ao meu cérebro que ele é suculento e delicioso. Após todos esses anos, sabe o que eu percebi? Ignorância é felicidade.

E assim, por meio de um bife, essa cena do filme Matrix lida com uma das maiores questões da filosofia: A relação entre a realidade e os sentidos. Será que aquele bife digital é menos real que um bife de verdade? O que é a realidade, senão uma ideia que criamos em nossas mentes, a partir da infinidade de sinais que recebemos dos cinco sentidos? Será que os sentidos capturam fielmente o mundo exterior?

Certamente não. Podemos afirmar que os sentidos capturam apenas uma parte do que existe e, mesmo assim, de forma limitada. Por exemplo, de todo o espectro luminoso, a visão captura apenas uma parte infinitesimal. Jamais saberemos que cores existem antes do vermelho ou depois do violeta. O arco-íris que se forma no céu tem, de fato, muito mais que as sete cores que enxergamos. O mesmo se aplica aos outros sentidos. Cada um deles é capaz de perceber apenas uma parte insignificante de tudo o que existe.

Realidade x Existência

Indo além, podemos deduzir que tudo o que existe possui outras propriedades além das que podemos perceber, mas que jamais tomaremos ciência de quais possam ser, simplesmente por nos faltarem os sentidos para percebê-las.

A realidade, então, é algo muito limitado. É algo muito menor e mais restrito do que aquilo que existe. Imagine a caverna de Platão. Enquanto estamos na caverna, aquela é a realidade. Não há volume e nem cores. Quando saímos da caverna a realidade se torna mais rica, porém o que existia permaneceu inalterado. O que mudou foi apenas a nossa percepção. Então, na verdade, podemos dizer que nunca saímos da caverna, pois nunca chegamos ao conhecimento pleno de tudo o que existe. São infinitas cavernas, uma dentro da outra.


Roteiro de Matrix:

Livro:

25 de outubro de 2009

O espelho novo de Narciso

Eu tenho mil e duzentos amigos no Orkut, doze mil cento e vinte seguidores no Twitter e oitocentos assinantes do meu Blog. Tenho tantos fãs porque sou realmente especial, tenho uma visão única dos fatos e sempre vejo o que ninguém vê. Nada mais natural que pessoas inteligentes como eu (bem, não tanto quanto eu, mas inteligentes o suficiente para perceberem a minha inteligência) queiram estar conectadas comigo para ouvirem o que eu tenho a dizer. Estou no paraíso de Narciso.

Todos temos um Narcisinho dentro de nós. Quem não se acha, sinceramente, pelo menos um pouco especial e diferente. E de fato somos. O Narcisismo é uma peça importante para a formação da nossa auto-imagem. O problema é quando aquele menininho bonitinho e inofensivo que gosta de ser olhar vez por outra no espelho cresce e se torna um gigante paralítico que, tomado por uma paixão insana por si mesmo, é incapaz de sair da frente do espelho.

John William Waterhouse, Écho et Narcisse (1903) 

É aí que o paraíso vira inferno. O narcisista patológico vive pra se admirar. Ele despreza tudo aquilo que não seja ele mesmo. Só ele é bonito, só ele é inteligente, só ele é especial. As outras pessoas servem somente para admirá-lo. Os outros são apenas espelhos nos quais ele vê a própria imagem refletida. E, preso pelo espelho, é impedido de admirar o resto do mundo.

image Parênteses: Não há como deixar de moralizar o tema. Partimos do pressuposto de que quem não quer ou não pode admirar o mundo está em uma situação reprovável. Particularmente, penso diferente. Se o Narcisista é feliz olhando só a si mesmo o tempo todo, então ele continua no paraíso.

Parênteses do parênteses: A questão é que o narcisista precisa de outras pessoas para servirem de espelho. As pessoas servem de espelho quando corroboram com a imagem que ele faz de si mesmo, concordando em sua superioridade. E somente dessa forma que as pessoas são importantes para ele. A partir do momento que em que a outra pessoa deixa claro que não concorda com a auto-imagem do narcisista é como se fosse um espelho defeituoso incapaz de refletir a imagem que ele quer ver.

E nesse contexto surge a internet, que se apresenta como despertador e amplificador do narcisismo. A partir do momento em que ela nos fornece um relatório sempre atualizado de quantos espelhos possuímos, em forma de assinantes no Blog, seguidores no Twitter e por aí vai, o narcisista se sente impelido a buscar sempre mais admiradores, para poder se admirar ainda mais. Pouco importa saber quem são seus seguidores, e muito menos saber o que eles escrevem, o único valor deles é somarem um número no contador. O que foi concebido para ser uma forma de aumentar a colaboração e interação entre as pessoas é subvertido e transformado em um instrumento de admiração de si mesmo. É o novo espelho de Narciso.

Pra saber mais: 
http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm_janela.php?cod=162

24 de outubro de 2009

Cinefilô – Cinema e Filosofia

A sétima arte de vez em quando nos presenteia com filmes que duram bem mais que os noventa minutos de exibição na tela. São filmes que, de tão bons, nos acompanham por dias, meses, alguns até pela vida inteira. Esses filmes tem algo além de ação e uma boa direção.

São filmes com conteúdo. São histórias que provocam um saculejo nos neurônios e deixam uma pulga atrás da orelha. Para mim, os melhores filmes têm sempre uma mensagem, um ponto de vista novo a oferecer. Por isso os filmes que trazem à tona as grandes questões filosóficas são tão especiais, principalmente quando oferecem uma nova roupagem, mais atual e compativel com a nossa realidade.

CinefilôEstou lendo o livro Cinefilô, de Ollivier Pourriol, cuja proposta é justamente despertar o pensamento filosófico que existem nos bons filmes.

A partir de filmes como Beleza Americana, Forrest Gump, X-men, Highlander, Clube da Luta, Blade Runner e, obviamente, Matrix, ele comenta as cenas mais significativas e, de forma fluída e leve, dá ótimas aulas de filosofia. Certamente depois de ler esse livro não vou ver filmes com os mesmos olhos.

Ele pega emprestado, por exemplo, a cena do glutão asqueiroso no restaurante francês do filme O Sentido da Vida, do Monty Python para ensinar o conflito que existe entre querer e poder. Enquanto a vontade é ilimitada, a potência é limitada. Queremos tudo, mas não podemos tudo. De fato, podemos muito pouco diante do que queremos, não é mesmo? Assim se apresenta a figura da escolha. Diante de tantas vontades e tão pouca capacidade, somos obrigados a escolher e, dessa forma, renunciar. Cada escolha implica uma renúncia, e talvez por isso seja tão dificil escolher, pois quem gosta de abrir mão das suas vontades?

O glutão é incapaz de renunciar. Tudo que lhe foi oferecido, aceitou, e ainda pediu um ovo por cima. O resultado não podia ser diferente, e ele explode. Afinal, o corpo é pequeno demais para caber todas as nossas vontades.

Traz um Sundae agora.

E assim o livro segue, cena após cena, lição após lição.
Estou lendo esse livro de noite em voz alta, acompanhado do meu filho de cinco anos. É claro que ele não entende nada. Mas é uma delicia ver como ele fica quietinho, escutando e prestando atenção. 
     - Ele explodiu, né pai?
     - É, filho. Ele queria comer tudo que tinha no restaurante, mas não coube na barriga dele.
     - Se eu comer tudo eu “expludo” também?
     - Não, mas passa muito mal e tem que ir para o hospital.
     - Hum.. Não vou comer tudo não.

23 de outubro de 2009

Pra não dizer que não falei das flores

Apesar de gostar muito de música e me considerar eclético, apenas recentemente passei a curtir rock nacional. Durante a minha adolescência, que foi na transição entre os anos 80 e 90, tudo o que eu ouvia eram os discos que meu pai tinha em casa: Beatles, Pink Floyd, Kraftwerk, alguma coisa de Disco Music, como Bee gees e ELO, de nacional eu lembro de uma coletânea do Alceu Valença e um outro disco com Vinicius, Edu Lobo, etc. Passei praticamente alheio a bandas como Ira!, Paralamas, Nenhum de Nós, RPM e Ultraje a Rigor.

E agora estou descobrindo muita coisa boa, velhos baús com alguns tesouros. Estou curtindo pra caramba. Uma das minhas bandas preferidas são os Titãs. Os caras são realmentes bons e criaram verdadeiras obras-primas como Marvin, Polícia, Querem meu sangue, Homem Primata..

..E Flores. Uma das minhas preferidas. Não canso de assistir no youtube.

E se tem algo no youtube tão bom quanto sua infinidade de videos, são os comentários. Tem verdadeiras pérolas de sabedoria espalhadas por lá. Em relação à música encontrei um comentário que me chamou a atenção. Dizia que a música é sobre a lamentação de um homem morto, em seu funeral.

Eu imagino que o personagem da musica morreu em um acidente de carro.

Olhei até ficar cansado de ver meus olhos no espelho.
Chorei por ter despedaçado as flores que estão no canteiro.
Os punhos e os pulsos cortados, e o resto corpo inteiro.

Ele estava dirigindo e perdeu o controle do carro, avançou por cima de um canteiro de flores e logo depois se chocou violentamente contra um muro. E ficou lá, imóvel, de olhos abertos em frente ao retrovisor enquanto perdia a vida lentamente preso nas ferragens e com diversos cortes e ferimentos.

 

Há flores cobrindo o telhado
E embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados
Há flores em tudo que eu vejo

Agora o cenário é o seu funeral. Ele se vê flores por todos os lados. Mas não são as flores que ele despedaçou no acidente, são as flores dos buquês e coroas que enfeitam o seu caixão, espalhadas por todos os lados.

Talvez por isso as flores tenham cheiro de morte. Talvez fosse melhor se tivessem usado flores artificiais, de plástico.

FAQ:

Essa é a interpretação correta da música?
Não. Essa é uma das inúmeras interpretações possíveis.

Será que não foi suicídio? Veja os “pulsos cortados”.
É, pode ser, mas não nessa interpretação.

22 de outubro de 2009

A Revolução dos Bichos

Todos os hábitos do Homem são maus. Jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Fortes ou fracos, espertos ou simplórios, somos todos irmãos. Todos os animais são iguais.

Quando eu li esse livro pela primeira vez, foi sem nenhuma referência e sem nenhum conceito prévio. Eu não esperava ler uma crítica ao poder e muito menos ao comunismo. Não sabia que os porcos eram Lênin e Stalin. Eu não sabia o que esperar e não possuía nenhuma expectativa. Eu o li à revelia de seu contexto histórico. As vezes referências demais atrapalham.imageE lido dessa forma, o livro me impressionou. E até hoje ele me impressiona e influencia. Esse livro tem um importância tremenda na minha forma de ver o mundo. Para mim não se trata de uma crítica ao comunismo ou ao poder. É maior que isso. É uma crítica à condição humana. É um tapa da cara. A Revolução dos Bichos mostra de forma precisa a capacidade que temos de subverter e o sentido de qualquer valor ou regra, e interpretá-los exclusivamente de acordo com nossos interesses. Mostra a sordidez das sutilezas, às quais todos recorremos para enganar o próximo, que para nós não é assim tão próximo. É um livro melancólico, porque faz a constatação mas não apresenta a solução. Mostra o problema e, sem nenhuma esperança, se prostra diante dele. George Orwell Sabia que não há solução para nossos defeitos, pois renunciar ao egoísmo e ao narcisismo é renunciar ao que nos torna humanos. Por isso mesmo é um livro que sempre será atual. Não importa o momento ou qual a forma de poder, sempre haverão os dominantes e os dominados, e sempre será uma puta sacanagem.image A Revolução dos Bichos me ensinou que a natureza humana é de tal forma que, quando nos deparamos com alguém em desvantagem, nosso impulso é tirar proveito da situação e usar a nossa superioridade para impor nossa vontade. Ser igual não basta, o legal é ser superior.

Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros.


O Rafael não gostou do livro, e oferece uma interpretaçao bem diferente e interessante:
http://www.rafael.galvao.org/2004/12/a-revolucao-dos-bichos/

Pra quem tem preguiça de ler um livro, segue a resenha:
http://recantodasletras.uol.com.br/visualizar.php?idt=2369

Karateka

Quando eu tinha lá pelos meus 11 anos, meu pai comprou um videocassete betamax. E ninguém mais tinha aquela porra, só a gente. O mundo inteiro usava VHS, menos nós e o presidente da Sony. Por causa disso, a única locadora que encontramos ficava no largo do machado, e na época morávamos em botafogo. Mão na roda.

Na galeria comercial onde ficava a locadora havia também uma loja de computadores, bem atualizada, diga-se de passagem. Foi lá que vi pela primeira vez um Plotter e um Disquete de oito, eu disse oito, polegadas. E foi nessa loja que eu vi pela primeira vez, num monitor fósforo verde, o jogo Karateka.

Fósforo verde é velho pra dedéu

Que cena! O impacto foi tão grande que até hoje eu lembro desse dia, e de como fiquei maravilhado com o que os computadores eram capazes de fazer. Até então, minha referência de jogos eletrônicos era o Atari 2600.

O jogo era mesmo muito bom. Logo no inicio o personagem surgia escalando um desfiladeiro para chegar até a fortaleza onde sua amada estava encarcerada. E isso criava uma atmosfera em torno do jogo. O Karateka tinha história. Ele não nasceu alí de frente para aquele chifrudo, ele teve que vir de algum lugar e escalar até chegar ao seu oponente. Isso foi inovador, eu nunca poderia pensar que um um jogo também poderia ser uma história e, mais que isso, um história vivida por mim e cujo final dependia de mim.

Capa original Até então, tudo o que eu conhecia de videogames eram os jogos de loop infinito como Pac-man, Enduro, River raid, Pitfall (eu tinha um amigo que jurava que tinha terminado o pitfall do atari). Eram jogos que não tinham nenhuma história, possuiam apenas um cenário que se repetia monótona e indefinidamente. E não era só nisso que o jogo impressionava. Os gráficos eram de uma beleza única também. O movimento dos lutadores, os golpes. Tudo era perfeito.

Na época, o mercado de jogos de computador era bastante restrito, mas o jogo atingiu enorme sucesso e foi lançado em diversas plataformas além do original apple II, atari, IBM, commodore 64 e Nintendo. Ao todo, o jogo vendeu mais de quinhentas mil cópias. Um número espetacular para 25 anos atrás. Baseado em Karateka, cinco anos depois foi lançado Prince of Persia, que talvez seja o jogo mais antigo ainda em continuidade, depois de Mario Bros.

Curiosidade

Na década de 80 ninguém tinha o hábito de baixar jogos pela internet. Eles eram vendidos em cassete (eu disse caSSéte, com dois esses e acento no “e”) ou disquetes. A versão para Apple II era vendida em um disquete aparentemente single-sided, mas no outro lado vinha um easter egg, uma versão do jogo que rodava de cabeça para baixo. Então, quando alguém inseria o disquete invertido aparecia o jogo de ponta cabeça, e se ligava para reclamar do defeito  recebia como resposta “Retire o disquete, insira com o lado correto para cima, e reinicie o jogo”. Genial.

Aí vai o site do Jordan Mechner, criador do jogo. Vale a pena conferir.