20 de novembro de 2009

Os três mendigos

Ainda na onda do filme Anticristo de Lars Von Trier, vale a pena viajar um pouco sobre o significado dos três mendigos: Sofrimento, Dor e Desespero que, quando reunidos, trazem a morte. Figura aqui mais uma antitese simbólica do cristianismo. Enquanto os três(?) Reis Magos da bíblia se reúnem para presenciar o nascimento do cristo, os três mendigos do filme se reúnem para presenciar a morte. Enquanto os reis da bíblia celebram o divino, os mendigos da natureza festejam o mundano e o natural.

Expulsos do Paraíso


Reza a lenda que Deus criou o universo, a terra, a natureza e o homem. Logo no primeiro capítulo do primeiro livro da bíblia, a criação é narrada em linguagem épica. E já nesse mesmo primeiro capítulo se vê claramente que a religião judaico-cristã (daqui em diante chamada apenas de Religião) coloca o homem acima da natureza, em uma posição de destaque.

Na narrativa religiosa o homem não faz parte da natureza, essa existe com a finalidade de servir aos propósitos do homem. O homem é especial, meio-divino, pois além de ter sido feito à imagem e semelhança do próprio Deus, recebeu de Sua boca o sopro da vida, o pneuma, que é o espírito divino.


Alocado no Jardim do Éden, o homem desfrutava de sua superioridade, tendo tudo a seu serviço. Não havia sofrimento, dor, angústia ou morte. Era a existência ideal. Os animais e toda a natureza lhe era submissa. Contudo, coube ao homem desobedecer a instrução divina e comer do fruto proibido e, por isso, ser expulso do paraíso. Como consequência da expulsão, a existência passou a ser acompanhada de sofrimento, dor, angústia e morte.

Dogmas


Assim, a Religião cria um de seus preceitos mais importantes e que serve de fundamento para toda a sua concepção Moral: O de que toda a dor, sofrimento e desespero que há no mundo não são simplesmente fatos naturais, mas sim consequência da influência maligna sobre o homem. Se o homem sofre, se o homem sente dor, se padece de doenças e angústia e se, por fim, o homem morre, não é porque essas são simplesmente as condições inexoráveis da existência, e sim porque o mal habita entre nós, por meio do pecado.

Em última instância, o homem é um pobre coitado, um bosta n’água incapaz de agir por sua própria razão ou vontade. Se faz o mal, é porque o diabo o tentou e o dominou, se faz o bem é porque foi inspirado por Deus. Lembra daqueles desenhos da Disney que o Pato Donald ficava em dúvida sobre o que fazer e na mesma hora apareciam um anjinho e um diabinho cochichando em seus ouvidos? É isso que a Religião prega.


Veja como o círculo se fecha: Para a Religião o homem não é integrante da natureza, é um ser superior cuja existência é dotada de um significado divino. O homem é o tal, imagem e semelhança de Deus feito para viver eternamente e, assim sendo, não deveria estar sujeito a nada que cause sofrimento à existência, muito menos deveria estar sujeito ao fim da existência.

Os três mendigos


Não há indícios históricos ou geográficos de que tenha havido em algum momento o Jardim do Éden, e tudo o que leva os religiosos a acreditarem nas descrições bíblicas de uma existência livre de sofrimento é a fé. Ao contrário, a memória de todos os povos que já passaram pela terra relatam a existência do sofrimento como uma realidade pungente.


O fato é que somos invariavelmente submetidos às consequências de uma existência frágil e passageira, e essas consequências englobam a dor, o sofrimento, o desespero e finalmente a morte. Enquanto a Religião exclama “O maligno reina no mundo!” e, dessa forma, afirma que o sofrimento e a morte são consequências do pecado – criando consequentemente uma aversão moral a esses fatos - a razão diz “O caos reina no mundo!” e afirma que o sofrimento e a morte são consequências naturais da vida.

Um comentário:

  1. Cheguei atrasado, mas gostaria de contribuir com o post com uma provável errata: a visão religiosa (judaico-cristã) não é bem assim.
    Sou católico, nada fanático, bastante cético e estudei por dois anos um pouco de teologia. A obra de Lars Von Trier me encanta e achei válidas algumas informações do seu texto, mas o paralelo da visão religiosa sobre a natureza humana e a visão de mundo de alguém que você também não citou quem, foi bem rasa.
    O judaico-cristão não acredita que a humanidade é uma bosta n'água a mercê de forças sobrenaturais muito maiores que ele. Acredita nessas "forças", mas não é submisso e calado ante elas, faz parte da cultura e saber religioso a questão do livre-arbítrio que o faz um ser consciente e livre para decidir e fazer o que bem quiser. Esse conceito acredito que invalida tudo o que se foi dito nesse sentido.

    *OBS: não sou desses cristãos ressentidos que vêm defender sua fé com unhas e dentes, como se fossem donos da razão e da verdade,só quero contribuir com o post, como disse. hahah

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