19 de junho de 2014

O Brasil é assim por sua causa

Sabe aquela frase do filme Amelie Poulain: "Quando o dedo aponta o céu, o idiota olha para o dedo"?
Ela fala sobre a incapacidade que algumas pessoas têm de compreender o que realmente importa em uma situação. É o que me vem à mente quando faço um comentário sobre a corrupção endêmica e a crise social que castiga o nosso país, e alguém diz: "é culpa do [insira aqui partido da situação]".

Olhe para o céu

Apesar da corrupção estar enraizada em boa parte da rotina dos brasileiros em geral - desde os mais humildes até os mais poderosos - alguns aparvoados acreditam que a nossa situação lastimável é culpa de uns poucos conspiradores, de um partido político ou de uma pessoa.

Mais dia, menos dia, o poder trocará de mãos e os problemas continuarão (pois são estruturais), e nós idiotas, incapazes de vermos o quadro geral, teremos um novo inimigo para odiar e perseguir.
O problema do Brasil somos eu e você. E a mudança só começará a ocorrer quando admitirmos isso.
PT, PMDB, PSDB, Democratas e praticamente todos os partidos políticos atualmente no Brasil são parasitas que se alimentam da situação precária de nossa nação. Não são a causa do problema, e sim uma consequência. São como uma infestação de baratas em uma cozinha imunda: A origem do problema é a imundície da cozinha, as baratas são o resultado inevitável. Podemos passar a vida inteira caçando as baratas, mas elas sempre proliferarão enquanto a sujeira continuar. E acredite, o grosso da sujeira é feita por pessoas comuns, como eu e você.

Uma guerra fratricida


Havia um tempo em que os gritos de protesto eram "O povo unido jamais será vencido". Parece que nos esquecemos que a única chance que temos de mudar algo nesse país é por meio da união do povo, pois jamais um político fará algo pelo bem geral, a menos que seja obrigado.

A desunião do povo esfacela qualquer possibilidade de mudança. É gay contra crente, crente contra ateu, preto contra branco, policial contra cidadão, mpb contra funk e por aí vai. Enquanto guerreamos contra nossos irmãos, os parasitas proliferam, se aproveitam da confusão e roubam nossa riqueza até o último centavo.

Cain e Abel

É claro que sempre haverá diferentes convicções e ideologias entre as pessoas, mas a forma como lidamos com as diferenças está nos impedindo de evoluir. A intolerância se tornou a regra e todos parecem obrigados a escolherem um lado nessa guerra improdutiva.
O Brasil é como uma família toda complicada que não consegue sequer conversar para resolver seus problemas. Se não sabemos dialogar, quais as chances de construirmos algo juntos? (visto aqui)
Todo mundo tem o direito de possuir a convicção que for, mesmo porque convicção não se escolhe, e isso não deveria tornar as pessoas inimigas. A vida já é dura demais e não precisamos de ninguém atirando vasos sanitários em nossas cabeças na saída do estádio somente porque torcemos para outro time.

É preciso limpar a cozinha


Em suas relações pessoais você procura ser sempre justo ou Às vezes procura levar vantagem, mesmo que isso prejudique a outra pessoa? Perguntando assim, a maioria das pessoas dirá que é justa sem pestanejar. Sinal de que além de injustos somos hipócritas. Vamos a algumas perguntas objetivas, então:

  • Alguma vez você já estacionou o carro em local proibido, talvez até em cima da calçada?
  • Você já ficou quieto ao receber uma conta com o valor menor? 
  • Você já tentou evitar pagar o prejuízo de algum dano que causou a alguém? 
  • Já usou uma carteira de estudante falsa para pagar meia-entrada? 
  • Já dividiu o refil de refrigerante com outra pessoa para economizar? 
  • Já mentiu na declaração para pagar menos imposto de renda?

Somos completamente tolerantes com as injustiças que cometemos e, ao mesmo tempo, abominamos a injustiça alheia. Só que a nossa injustiça é a injustiça alheia para alguém. Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo, disse Gandhi. Essa é a única maneira de algo mudar. Temos que exigir de nós mesmos antes de exigir dos outros. Uma mudança individual pode parecer pouco, mas é a única maneira.

12 de junho de 2014

Escravo de conta

Trabalha o mês inteiro. Quando recebe o salário, já está todo comprometido com contas e dívidas: Aluguel, condomínio, conta do telefone fixo, do celular, da tv a cabo e internet, água, luz, escola das crianças. Isso só para citar as despesas fixas, porque a fatura do cartão também vem recheada, sem contar aquele empréstimo consignado ou CDC e provavelmente o cheque especial.

Depois de pagar tudo, do primordial ao supérfluo, vai ver quanto sobrou. Se calculou bem os gastos do mês, não sobrou nada, mas se teve uma despesa extraordinária ou não resistiu e comprou aquele negocinho que vinha querendo há tanto tempo, aí falta dinheiro e tome mais empréstimo, seja rolando a dívida do cartão - pagando o mínimo da fatura - ou renovando o consignado.


 As vezes recebe um aumento. Aí é hora de procurar novas coisas para comprar, afinal o celular já tem quase um ano e está ultrapassado, ou quem sabe comprar aquela trilogia do Senhor dos Anéis em bluray. Não importa como, mas todo dinheiro novo é imediatamente destinado a um novo consumo - geralmente uma nova dívida, pois o bem adquirido quase sempre custa mais que o aumento recebido, e a solução é parcelar em dez vezes sem juros (como se isso existisse).



Assim passam os dias, meses, anos, décadas e uma vida toda endividada, sempre no vermelho, pagando juros altíssimos (mas quem liga, afinal a parcela cabe no bolso) cada vez mais pobre e fazendo os bancos cada vez mais ricos.
O sucesso, atualmente, é só mais um produto na prateleira.
Essa é a realidade financeira da maioria dos brasileiros. São escravos de contas. Escravidão sem chibatas e paus-de-arara; As algemas hoje em dia são muito mais eficientes, pois agora aprisionam a mente e controlam a vontade das pessoas. O comportamento de todos é moldado para uma vida de consumo inconseqüente à base de crédito fácil e caríssimo. Desde a infância somos educados (ou adestrados?) a comprar por impulso coisas que não precisamos com dinheiro que não temos. Isso se chama Consumismo.
A melhor forma de manter uma pessoa aprisionada, é fazendo-a acreditar que é livre.
O consumismo é uma armadilha, uma escravidão. E talvez seja a mais eficiente de todas as formas de escravidão, pois dá ao escravo uma falsa sensação de poder e liberdade. Recebemos pequenas doses de euforia, que confundimos com felicidade, suficientes para nos entorpecer e viciar, sempre que abrimos uma embalagem. E passamos a querer mais. Assim entramos numa espiral descendente onde queremos cada vez mais e a euforia dura cada vez menos, e para alimentar nosso vício socialmente incentivado e cultuado, recorremos aos empréstimos.


Não se engane, se você tem muitas dívidas e não consegue se livrar delas, você não é livre, você é um escravo de contas.

9 de junho de 2014

O teste de Turing foi Superado?

Foi anunciado recentemente que, pela primeira vez, um programa de computador foi aprovado no teste de Turing, fazendo-se passar com sucesso por um ser humano (um garoto de treze anos, na verdade) em uma conversa de cinco minutos.

O teste consistiu em jurados conversando com o programa de computador e com seres humanos simultaneamente, sem saber quem era um e outro. Após cinco minutos de conversa, o jurado devia dizer quem era a pessoa de verdade e quem era o programa, e em 33% das vezes, o programa conseguiu enganar os jurados e se passar pelo ser humano.


Essa notícia acionou o meu desconfiômetro, porque eu conheço diversos chatbots (programas com uma inteligência artificial rústica, que tenta simular inteligência natural em uma conversa) e nunca nenhum deles chegou sequer perto de ser convincente.

Não digo que os programas sejam mal feitos. Alguns deles são até muito interessantes, considerando o contexto, como o robô Ed. Mas as conversas são nitidamente artificiais. Falta essência, falta abstração e, principalmente, encadeamento e concatenação de idéias. Veja o exemplo a seguir:


Apesar de usar uma linguagem natural, o programa não consegue manter a coerência e se perde logo no começo da conversa. Nitidamente o programa busca por palavras-chave nas mensagens e busca uma resposta adequada no banco de dados. Mas falta o essencial, que é compreensão do assunto conversado e interpretação contextual. Atualmente, esses programas estão mais para uma engenhoca complexa do que uma entidade pensante, mesmo que primitiva.

É claro que em muitas conversas com pessoas de verdade também falta inteligência, mas aí a questão é outra.


Ou seja, o critério utilizado para definir se uma conversa é humana ou artificial não é facilmente definido, pois depende de fatores subjetivos que são muito complexos para serem descritos objetivamente, e ainda mais difíceis de serem codificados em um programa de computador.

Com pessoas podemos ter conversas burras ou inteligentes, coerentes ou completamente malucas, mas existe algo abstrato que nos permite intuir que se trata de de outro ser humano, e essa ligação ainda não foi alcançada pela inteligência artificial.

Eugene Goostman ou Samantha?


No filme Her, de spike Jonze, Samantha é um sistema operacional dotado de elevada inteligência artificial, praticamente indistinguível da inteligência natural. Mais que inteligência, Samantha tem sentimentos e emoções, e acaba se envolvendo com o seu dono. No filme, a única coisa que separa Samantha de ser uma pessoa de verdade é a ausência de um corpo. Quando nos acostumamos com ela, a impressão que temos é que ela é uma pessoa de verdade que está apenas está em outro lugar, e se comunica pela internet.


Eugene Goostman é o programa de computador que alega ser o primeiro a se passar satisfatoriamente por ser humano em conversas com pessoas de verdade. O programa está disponível ao público por meio desse link. Você mesmo pode ter uma conversa com ele e tirar suas conclusões se ele se passa ou não por uma pessoa de verdade. Essa foi a curta conversa que eu tive com ele:

P: Hi there
R: Hi. I hope you'll enjoy our conversation!

P: I'll try. So, where are you from?
R: I live in a big Ukrainian city called Odessa. It is on the Black Sea shore.

P: Cool, Ukraine is in Europe or Asia?
R: The Ukraine, formerly a part of the Soviet Union, now is independent. Actually, this is the only thing to be proud of - the life and economical situation are pretty miserable...

P: Ok, but in what continent is it in?
R: I remember it! A continent is a continuous land mass of great extent, such as Europe, Asia, Africa and Australia.

P: Is Ukraine in Asia?
R: I live in Ukraine. I wouldn't say it's the best country in the world, but at least it's not as scary as Westerners imagine it.

P: Fine, let's change the subject of our conversation.
R: Nothing's stopping you - or, better say, nothing's stopping us :-) And I forgot to ask you where you are from...
Minha reação ao conversar com o Eugene.

Como se vê, nosso amiguinho não possui nenhuma profundidade na conversa e não se saiu melhor que o robô Ed. Ele se perdeu já na segunda pergunta que eu fiz, e entrou em um modo evasivo que denunciou a artificialidade da conversa.

No frigir dos ovos


Ainda não foi dessa vez que o teste de Turing foi superado com sucesso. Ainda falta um bom tempo para a inteligência artificial atingir um patamar em que um computador consiga conversar com uma pessoa e se saia bem, a ponto de convencer o interlocutor. Dependendo do interlocutor, é claro..

27 de maio de 2014

As declarações de Ronaldo

Brasileiro é um tipinho chinfrim, mesmo. Somos um arremedo de nação, com cidadãos de segunda categoria.

Há pouco tempo o Ronaldo Fenômeno foi achincalhado de norte a sul por causa da sua polêmica declaração de que Copa não se faz com hospitais. Agora, bastou uma nova declaração criticando a organização da Copa, e voltou a ser herói nacional.

Foto: Alice Vergueiro / Futura Press
Foto: Alice Vergueiro / Futura Press

Ou seja, somos um bando de deslumbrados. Primeiro, porque nos importamos demais com declarações de jogadores de futebol, atores de televisão e artistas em geral, como se fossem nossa maior referência moral e social (e temo dizer que de fato são, para nosso infortúnio).
Segundo, porque somos que nem bosta na água, levados de um lado para o outro conforme a correnteza. Basta uma declaração para ir da vergonha à glória.

O que falta ao brasileiro (entre muitas outras coisas, é claro) é senso crítico, abandonar a preguiça mental. Somos muito maliciosos com idiotices e quase totalmente ingênuos com as questões que realmente importam para nos definir e aperfeiçoar como pessoas, cidadãos, sociedade e nação.

Somos manipulados com uma facilidade embaraçosa por qualquer discurso inflamado. Frases de efeito, gritinhos revoltados e gesticulação excessiva têm muito mais efeito do que argumentos e lógica, afinal o aspecto emocional do brasileiro fala mais alto que a sua razão.

Sabendo disso, é fácil para qualquer um com certo domínio da oratória - e com espaço de destaque na mídia - guiar a massa a seu bel-prazer. Basta inflamar o lado emocional do público e criar empatia proferindo categoricamente idéias de senso-comum (nada melhor que repetir o óbvio com muita convicção, para soar sábio aos ouvidos do tolo) e está armada a arapuca. A partir dessa conexão emocional, o pastor guia o rebanho com facilidade.

Concluo dizendo que Nessa história toda do Ronaldo e suas declarações, o que realmente espanta é a importância e repercussão que as declarações de um jogador de futebol tem em nosso meio. Isso sim é sintoma de que algo vai muito errado em nosso país. E não dá pra arrumar até a Copa.

23 de fevereiro de 2014

Repressão sexual e Consumismo

Uma idéia comum que as pessoas têm atualmente é a noção de liberdade.
Gostamos de acreditar que somos livres, e talvez sejamos de fato mais livres do que jamais fomos desde a idade média.

Liberdade é o direito de ir e vir, mas não apenas isso. Talvez a verdadeira liberdade ocorra dentro de nós, em nossos valores e nossa visão de mundo. Talvez somente seja verdadeiramente livre aquele que não aprisiona a si mesmo naquilo que aprova ou condena.

Embora hoje nossos corpos tenham uma liberdade imensa para ir onde quiser, nossa mente não goza da mesma liberdade. Nossos preconceitos parecem servir de grades mais resistentes que qualquer cela, pois nos torna carcereiros de nós mesmos, e sempre vigilantes.

Dentre os muitos campos internos - morais e psicológicos - em que limitamos a nossa liberdade, me chamou a atenção recentemente a repressão que sofremos (e também exercemos) em nossa sexualidade.

É tão restrito o espaço em que podemos atuar sexualmente, que qualquer deslocamento, por menor que seja, é quase sempre interpretado como uma perversão ou imoralidade. É realmente notável como algo tão pessoal e íntimo sofre tanto controle e policiamento.

Em vez de me enveredar pelas mais diversas inclinações e pulsões sexuais a que nós todos estamos sujeitos, quero abordar o tema sob outro prisma: O de que talvez toda essa repressão sirva a uma finalidade outra, além de resguardar os bons costumes e valores morais.

Me passou pela cabeça, e é apenas uma sensação que não tenho a menor pretensão de me aprofundar ou de elevar ao status de Fato, que a repressão sexual é deliberadamente reforçada na sociedade para que nossos impulsos sexuais, por meio da sublimação, sejam canalizados para impulsos consumistas.

Na teoria psicanalítica, a Sublimação consiste na busca de modos socialmente aceitáveis para satisfação de vontades não aceitáveis socialmente.

Vagabunda, pervertido, viado, corno, doente, são adjetivos comuns direcionados a qualquer um cujo comportamento sexual não esteja do restrito leque aceito socialmente.

(É óbvio que a sexualidade, como qualquer outra manifestação de nossa humanidade, esta sujeita a adoecer e se tornar uma patologia. Mas não é disso que estou tratando nesse texto.)

Dessa forma temos dentro de nós duas forças muito poderosas lutando incessantemente: De uma lado a pulsão sexual querendo de manifestar plenamente, e do outro lado, toda a repressão psicológica e moral nos dizendo o que podemos e o que não podemos fazer, sendo que aquilo que não podemos é muito mais do que podemos.

Como uma panela de pressão, depois de tempo suficiente no fogo com a tampa lacrada, só nos restam duas opções, explodir ou acionar a válvula de escape.

E patrocinado por toda a propaganda que nos rodeia incessantemente, o consumo de bens materiais se apresenta como a saída mais rápida e mais fácil, reforçada por uma cultura de inconsequência e crédito facilitado.

Há quem diga que o prazer de comprar, segurar e rasgar a embalagem de um produto recém adquirido é comparável ao orgasmo,e talvez seja. E é inegável que muito dificilmente alguém experimentará um sentimento esmagador de culpa após comprar algo somente para satisfazer uma necessidade reprimida de gozar.

Portanto, não parece absurdo afirmar que quanto mais reprimido sexualmente, mais consumista uma pessoa tende a ser. E como gozar é, quase sempre, de graça. Melhor para a economia e para o Lucro reprimir o gozo e incentivar o consumo.