30 de novembro de 2010

Os fantasmas se divertem

Para Freud, a essência do sonho é a realização de um desejo infantil reprimido. Para Jung, os símbolos podiam expressar um desejo de autocompreensão.

Eu tenho alguns sonhos recorrentes. Costumava ter cinco, agora tenho dois.
Sonhos recorrentes são aqueles cujos elementos se repetem. Sonhos em que estamos sempre nus, ou sempre caindo, ou sempre fugindo, sempre em uma situação que nos aflige.

Eu penso que os sonhos recorrentes são uma categoria peculiar de sonho. Para mim, são resultado de conflitos internos não resolvidos, fantasmas que – inutilmente – tentamos esconder, quando deveríamos exorcizá-los definitivamente, por meio da compreensão. Todos temos os nossos fantasmas que, vez ou outra, retornam para no assombrar.

Eu acredito que é possível exorcizar definitivamente esses fantasmas e resolver os conflitos internos que nos oprimem. Mas creio que essa tarefa não é fácil e requer sacrifícios que quase nunca estamos dispostos a cometer. E dessa forma, em vez de remediar as causas, lidamos com as consequências, e levamos a vida assim, oprimida e sofrida.

O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, são a imagem do homem diante de si próprio.
José Saramago

Os fantasmas estão aí, ao nosso redor, pairando sobre nossas vidas como sombras etéreas que, de acordo com o nosso estado de espírito (ou, para melhor dizer, ânimo) se afastam e se escondem ou se aproximam e se divertem com nossa reação horrorizada e impotente diante de algo que, em última análise, é o nosso próprio reflexo.

Carl Jung

três de cinco

Um dos sonhos recorrentes que eu tinha, e que era o mais comum, era que eu estava sempre dentro de um carro, dirigindo em uma rua, em baixa velocidade. E eu nunca conseguia frear o carro e fazê-lo parar. Eu tentava pisar no freio com toda a força, mas minhas pernas não tinham força suficiente para parar o carro. Eu pisava o mais forte que podia, mas não era suficiente, e o carro nunca parava e sempre terminava por bater em algum obstáculo. A sensação de desespero e impotência nesse tipo de sonho era absurdamente real e agoniante.

Os outros dois sonhos que eu costumava ter e não tenho mais, são variações do mesmo sonho anterior e, para mim, eram resultado das mesmas causas. Na segunda versão do sonho recorrente, eu sempre tentava ou precisava correr, pois estava em uma corrida ou era perseguido. Contudo, por mais força que eu fizesse, era como se eu corresse em câmera lenta ou dentro de uma piscina com água pela cintura. Nesse sonho eu nunca era pego e nunca terminava de correr. A agonia e a impotência eram infindáveis.

Por fim, o terceiro sonho que eu tinha era que eu segurava um revólver e tentava disparar um tiro apertando o gatilho mas, por mais força que fizesse, nunca conseguia efetuar o disparo. Mais uma vez os sentimentos era uma mistura de impotência e agonia.

Hoje eu entendo que esses três sonhos tinham as mesmas causas, que era o fato que ter comportamentos e vontades que julgava imorais e, contudo, não conseguia conter o impulso de agir ou pensar. Durante certo tempo da minha vida, eu fui oprimido por uma filosofia que se baseava na culpa. E assim, a maioria das minhas vontades, impulsos e pensamentos eram considerados transgressões, apesar de serem parte incontestável de mim.

A partir do momento em que comecei a questionar essa filosofia e, consequentemente, a abandoná-la, esses sonhos nunca mais se repetiram, pois esses conflitos deixaram de existir. Esses fantasmas não encontraram mais abrigo na minha mente e se foram.

Dois que ficam

Tudo aquilo que não enfrentamos na vida acaba se tornando o nosso destino.
Carl Jung

Ainda restam dois sonhos, cujos espectros me visitam em algumas noites. Esses ainda se divertem às custas da minha inércia e da minha fragilidade. por enquanto.

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